Princípios do Nada

Capítulo 5: Os Mantos da Capital (X)

Von correu pelo shopping, ignorando as pessoas surpresas à sua volta só um pouco menos do que elas o ignoravam. Ninguém pôs os olhos nele desde que a cadeira atravessou o teto e caiu no meio do corredor.

Fez o escuro de forma impecável, profissional. Ninguém soube como reagir a um buraco surgindo no teto depois do tremor, e o momento de escuridão foi completamente compreensível a todos os presentes. Coincidente. Mas quando tentou simplesmente ir até o bosque, sentiu os dedos da Consequência o envolvendo e parou.

Merriam nunca tinha lhes ensinado nada parecido, e Von achava que era porque ele não sabia. Uma das primeiras coisas que Seh fez com ele e Trevor foi ensinar como sentir a aproximação da Consequência. "Eu não entendo muito bem como isso funciona ainda, é complexo e perigoso, talvez totalmente inevitável. Mas posso lhes ensinar como sentir sua aproximação, para que possam parar antes de que seja tarde demais."

Vou tinha certeza que, se soubesse sentir a Consequência tão bem antes, teria sentido-a próxima quando saiu da cantina e foi até a casa do lago, próxima até demais. Quando chegavam os sintomas palpáveis, como a dor no peito, muitas vezes era tarde. No shopping, mesmo com o escuro, a fé das pessoas era forte demais. Tanta gente assim, mesmo sem ver, não aceitaria o teleporte, ainda mais logo depois de sua tentativa frustrada. Mas aceitariam ignorá-lo, como estavam fazendo. O jeito que Lena lhe ensinou ainda era muito bom, quem sabe até melhor do que como aprenderam com Seh.

O jeito de Seh era muito diferente do de Merriam. Até poucas horas antes tinha só uma vaga noção disso, mas agora estava certo. Eles me pararam antes; entenderam que eu ia fazer algo, e conseguiram segurar. Mas nem entenderam o que aconteceu quando usei os métodos que Seh ensinou, pensou Von. Aquilo certamente seria útil.

Mas não agora. Não conseguia pensar numa forma mais rápida de ir à universidade do que de ônibus, e isso significava pelo menos quinze minutos de viagem. Podia roubar um carro, pensou numa centena de maneiras de fazê-lo, mas isso não lhe dava tanto tempo assim.

Ele tinha tomado várias medidas para proteger o Livro, mas os Mantos da Capital eram bons. Bons o suficiente para pará-lo (mesmo com a ajuda de Art), e possivelmente bons o suficiente para desfazer suas armadilhas. Aquela que mais confiava, a mais difícil de detectar e remover, lhe daria pouco mais de vinte minutos, numa estimativa positiva.

— Von! — disse Trevor. — Espera aí!

Von diminuiu a corrida. Trevor conseguiria falar com ele de tão longe? Foram meses separados, ele podia ter praticado, podia... Não, Trevor se lembrou do que aprenderam com Seh só horas antes. Também estava no shopping.

— Trevor? O que foi?

Von mantinha a guarda alta contra invasões daquele tipo, e sabia que os outros não conseguiriam saber onde ele estava, mas Trevor usava o método de Seh. Tinha certeza que Art e os Mantos estavam inutilmente gritando mensagens para ele naquele mesmo momento.

— Não se preocupa com o Livro.

— Como assim? O Livro é a coisa mais importante em jogo aqui!

— Pode até ser, mas ele tá seguro. Eu tirei ele do toco.

Von parou de correr.

— Hã? Impossível! Como você fez isso?

— Ué, eu tirei ele do envelope e coloquei em outro no lugar.

Von coçou a cabeça, autoestima destruída por um momento, mas reviu o que fez com calma, e percebeu que as exceções que abriu caso ele, Art ou Lena quisessem pegar o Livro sem serem atingidos pelas suas armadilhas provavelmente englobavam Trevor também.