Trevor tinha os olhos num livro e a mente sabe-se lá onde ele levava. Estava sentado no canto mais afastado da grande galeria da biblioteca, a área com mais mesas. Alesia não entendia como ele conseguia ler ali, com o barulho (as várias placas pedindo por silêncio já faziam parte da paisagem; ninguém olhava duas vezes para elas), mas ela achava que ele não ia ali para só ler. Trevor gostava de olhar as pessoas. Analisá-las, bolar hipóteses sobre suas ações... Era o tipo de coisa que fazia. Naquele momento, porém, estava com a cara enterrada nas páginas, e não a notou enquanto ela driblava as mesas e chegava até ele.
— Trevor. Oi.
Ele levantou os olhos lentamente, despedindo-se do livro.
— Alie.
Chamava-a assim desde os tempos de colégio, quando Von criou aquele apelido idiota. Ela já tinha deixado muito claro que não gostava daquilo, e nunca soube se Trevor ainda a tratava dessa forma por não ter entendido ou para irritá-la. Naqueles dias, poucos ousavam chamá-la assim.
Trevor arregalou os olhos por um instante, subitamente consciente da realidade que o cercava, e Alesia riu, sentando-se.
— O que foi? Tudo certo com você? — ele disse, fechando livro e logo depois fazendo uma careta de desgosto. O marca-página estava no seu colo.
— Tudo. Escuta, eu queria te perguntar uma coisa... — Alesia inclinou-se para a frente, colocando os cotovelos na mesa. Trevor ficava ali para observar as pessoas; era óbvio que observava o grupo de estudos. Ele saberia de alguma coisa.
— Claro. — Ele enfiou o marca-página num lugar qualquer, deixando o livro em cima da mesa.
— É sobre o Von e o Art. Eles tão meio esquisitos...
— Se for me perguntar, eles tão esquisitos tem muito tempo — interrompeu Trevor. É claro; desde Merriam, os quatro tinham mudado muito. Será que ele falava disso ou da mudança recente?
— Sim, mas tipo um com o outro. Eles sempre foram muito grudados. Agora parece que eles não se conhecem, sei lá. Você viu o que aconteceu agora há pouco. Eu pensei que eles fossem se bater.
Trevor fechou os olhos com força por baixo dos óculos, hábito estranho que tinha enquanto pensava. Alesia esforçou-se para não rir.
— Sim, é verdade — ele disse, as pálpebras enrugadas com a força. — Percebi isso na última semana do semestre passado — ele concluiu, abrindo os olhos e limpando os óculos. Alesia já não ia à casa do lago há meses, muito antes do final de semestre. Não falava com Art e Lena direito desde então. Nunca mais dirigira uma palavra a Von. Será que Trevor sabia disso também?
— Notei isso, sim — disse Trevor, depois de entender que Alesia não tinha nada a adicionar. — Mas não, não sei exatamente o que aconteceu, nunca perguntei. Parece algo bem pesado.
Trevor a olhava com interesse, esperança. Era óbvio que ele nunca havia perguntado; o que estava fazendo naquele momento, aquela sugestão, era o mais próximo de uma pergunta direta que conseguia fazer. Alesia afastou os olhos. Trevor continuou:
— Se eles não falaram com você, acho que não falaram com ninguém. — O que você quer dizer com isso? — Mas a Lena pode saber. Ela andou bem próxima deles.
Claro que andou. Só sobraram os três, fazendo seus experimentos na casa do lago... O que será que tinham descoberto? Não, ela não perguntaria; era totalmente incoerente com sua atitude. Mas talvez agora... "Você não pode se dar ao luxo de ter desistido, Alesia."
Depois de mais alguns momentos de silêncio desconfortável Trevor levantou-se, lembrando-a que a segunda aula da manhã começava em breve. Alesia honestamente esquecera-se disso; depois que o Livro apareceu, as aulas desapareceram da sua lista de prioridades. Mas... seria uma boa chance de observar. Se Art e Von continuassem com o seu jogo imaturo de sacanear a aula, significaria que, pelo menos um pouco, eles ainda eram amigos.
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Obrigado pela leitura! Fique ligado, novas cenas serão publicadas todas as segundas, quartas e sextas-feiras. E se vocêficou impaciente e quer ler mais, dá uma olhada aqui: http://bit.ly/principiosdonada
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Princípios do Nada
Mistério / SuspenseE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...