Capítulo 4: Viagem de Negócios (II)

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O mundo de Alesia girou e se enturvou, cheio de cores duras e fortes, e quando a realidade retornou à sua volta ela sentiu náuseas. Foi estranho se equilibrar novamente no chão, e ao abrir os olhos quase vomitou. Sentiu-se fraca, mas quando olhou para o lado e viu a cara esverdeada de Art ficou mais confiante. Só Von agia como se nada tivesse acontecido, e já andava.

— Ah, ela ainda não acabou — disse Von, caminhando na direção da casa do lago. — Vamos fazer um pouco de silêncio.

Alesia não via a casa do lago há meses, mas ainda era exatamente como ela se lembrava: grande, rústica e vazia. O vento trazia consigo o barulho do lago, cujas pequenas ondas batiam nas rochas além das árvores.

Alguns metros adiante, Lena estava sentada com as pernas cruzadas, a cabeça de um homem no colo. Os dois tinham os olhos fechados, mas só ele parecia desacordado. Em sua cabeça calva havia um só fio: de sangue. Lena parecia meditar, seus lábios se movendo tão sutil e silenciosamente que Alie demorou a notar. Ver Lena tão séria a deixou apreensiva. Ela nunca era tão séria. Será que algo que Art e Von fizeram, será que...

— O que aconteceu? — perguntou Art.

— Eu cheguei aqui e encontrei esse cara. Ele achou que eu era o Merriam. Rolou um, hã, embate.

— Você matou ele!? — sussurrou Alesia, tirando os olhos de Lena.

— Não. Eu joguei uma pedra na cabeça dele, e ele me fez dormir.

— Ah — disse Alie. — E você acordou antes dele?

— Não. — Von parecia calmo para quem acabara de se meter num embate tão potencialmente perigoso, mas Alesia sabia que ele escondia bem seu medo. Art olhava-o com seriedade. — Antes de apagar eu chamei a Lena, ela veio e me acordou. Agora não sabemos o que fazer com esse cara. Ele é da capital, e veio procurar o Livro. É isso que eu acho, pelo menos. Talvez a Lena tenha descoberto mais alguma coisa.

Os lábios de Alesia se separaram, e ela arregalou os olhos. Era o primeiro contato com outro que os quatro tinham desde que Merriam desapareceu, e já começavam com o pé direito. Imaginou como o homem descobriu que eles costumavam praticar na casa do lago, e isso só fê-la perceber o quão pouco entendia sobre o que faziam.

Lena suspirou.

— Pronto — disse ela, abrindo os olhos e mirando o nada. Tinha uma expressão séria, sem emoção. — Ele vai dormir até eu mandar ele acordar, e depois vai ignorar todos nós e ir embora.

Ela se levantou, colocando a cabeça do homem no chão com cuidado, e limpou as calças negras. Não fosse tão branca, seria impossível vê-la no escuro: tudo que trajava só não era mais escuro que seu cabelo. Alesia pensou nos Picos. No vermelho e negro. Na zona de guerra. Sentiu-se desconfortável, e desejou não estar ali.

— Ah. Alesia! — disse Lena, o sorriso amável voltando à face. Alie sentiu o corpo todo tremer, arrepios subindo pela espinha.

— Oi Lena — ela respondeu, quase um sussurro.

— Bom — começou Von, totalmente alheio ao que se passava na expressão de Alesia. — Vamos para dentro, deixa que eu carrego ele.

Von olhou intensamente para o corpo por um momento, mas se distraiu quando Art pousou a mão em seu ombro. A mão direita, Alie notou: nem Von nem Lena tinham olhado para o outro braço de Art, inerte e encharcado de sangue.

— Não abusa, Von. Vamos levar ele nós mesmos.

Von torceu a cara, mas concordou. Alesia ajudou, segurando uma das pernas enquanto Art segurava a outra e Von levava os ombros, e Lena correu para abrir a porta. O careca era leve, mas quando Alie viu o que havia além da porta da casa do lago quase deixou ele cair.

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