Capítulo 8: Como Nós (IV)

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O vento batia forte e baixo, aquele vento de final de tarde que leva as folhas ao céu e faz as garotas segurarem as saias. As grandes calças da estátua de bronze, entretanto, permaneceram paradas. Os olhos frios de Art encaravam o vale abaixo, tão cinza e morto quanto fora no passado, quando o homem que inspirara a estátua pôs os olhos naquela terra e decidiu que daria uma boa vila. Meia dúzia de vigas brancas formavam um arco ao entorno do memorial, erguendo um meio-teto sem propósito prático. A vista já fora melhor, contavam; agora os prédios altos do centro cobriam a outrora bela visão do lago no outro lado do vale. Do Morro do Amanhecer era possível ver o sol nascendo entre os outros morros, crescendo ao mesmo tempo no céu e na superfície espelho do lago, uma visão que trazia turistas, escoteiros e curiosos de todos os lugares do estado. Mas era por demais simplório; não tinha a grandeza do memorial do Morro da Descoberta.

E aquela grandeza era necessária. Não era um momento qualquer; era uma das últimas etapas do seu plano. Art respirou fundo meia dúzia de vezes, engolindo a noite, sentindo-se embriagado com a onda fresca de oxigênio invadindo os pulmões. A estátua de bronze olhava por cima dele, já quase toda verde com os anos e a chuva, mas isso a deixava ainda mais imponente. O jovem saltou três metros, sentando-se no arco de pedra. Estava nervoso, mas sorria.

Estava vivo. Esteve certo. Alguém o salvara da Consequência, e não qualquer alguém. Esperava aquela conversa desde que estava voltando de ônibus até a cidade, depois das férias na capital. Como esperava a conversa com Alesia... Não. Depois. Agora não posso pensar mais nela.

— Eu sei que você tá olhando — ele disse, não muito mais alto que o sussurro do vento nas folhas. — Acho que é hora de trocarmos um dedo de prosa.

A praça encheu-se com o silêncio. Coincidência ou não, depois das palavras até o vento parou. O clima estagnado pesou sob os ombros de Art, que balançava os tênis no ar. Sentiu o pulso acelerar, o nervosismo transformando as palavras planejadas em geleia. O suor frio do blefe já estava seco na testa.

Era uma batalha de silêncio. Um teste de fé. Se Art desistisse ninguém viria. Os segundos alongaram-se como naquelas aulas de história do ensino fundamental, quando nenhum deles tinha qualquer interesse por economia ou política. Nunca mais teriam, era a verdade, não depois de Merriam. Cennen estivera certo sobre seus ditos: a vida e sociedade dos moles não era mais interessante a Art do que uma colônia de abelhas.

Foco. Tinha que se concentrar. Sua maior arrogância vinha agora; a arrogância de achar que conseguia prever o que viria a seguir.

O silêncio pesou como um tijolo. A respiração vinha difícil, o ar viscoso e cheio, quente, o cheiro das folhas e da estátua já como um tempero enjoativo, a única coisa a se prestar atenção no escuro e chatice. A lua ia e vinha, coberta pelas nuvens esburacadas, fazendo o chão de pedra piscar.

Ele surgiu numa piscada.

Em pé no outro extremo da praça, coberto pelo escuro, intocado pelo som. Art prendeu a respiração.

— Quanto tempo.

— Nos vimos segunda — disse uma voz familiar, mas que ainda fez Art franzir o cenho. Sentiu-se tentado a reconhecê-la como a voz que queria, e por um momento quase fez, mas era diferente. Mais grave, tanto no timbre como no modo de fazer as palavras saírem. A figura saiu do escuro e Art arregalou os olhos.

— Henderson — ele disse. Por trás da expressão surpresa havia uma risada. Não esperava que fosse tão bom.

— Art — disse Henderson, saltando e se sentando na outra extremidade do arco de pedra, agora na altura de Art. Não, mais alto. Henderson... era mais alto que ele? Tanto? Parecia ter quase três metros.

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