Capítulo 4: Viagem de Negócios (I)

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Alesia não sabia quanto tempo passara na cama, mas segundo o relógio que viu numa vitrine apagada do centro não eram nem onze da noite. Nada tão inesperado: mesmo antes, dormindo na aula, ela vivenciara dias inteiros em poucos minutos. Ela se lembrava de muitos detalhes dos Picos, mas não tinha como ter visto todos aqueles anos nas poucas horas que passou dormindo, tinha? Bom, se quando Von voltou à realidade Art ainda estava preso pelo vento, os dois viveram tudo em meros segundos.

Caminhando pelo centro, ela e Art passaram por grupos de jovens, mendigos dormindo, até prostitutas. Ninguém olhou para eles. Ninguém disse nada. Quando se aproximavam era como se os moles se tornassem vegetais, parando de falar, rostos mortos. Alesia olhou para Art, que mal parecia pensar no que fazia.

— Mas vem cá — começou a garota. — Como você sabe onde o Henderson mora? — Ela tinha certeza que ninguém do grupo fora Seh e talvez Tom era próximo de Henderson a ponto de ir na casa dele.

— Ah — Art mal olhava para ela. Estava tão preso no que pensava que aquele era um dos raros momentos onde não controlava as palavras. — Eu segui eles.

— Hoje? — Alesia arregalou os olhos. — Você viu eles?

— Não. Eu segui eles hoje segunda-feira.

— Como? — Ela franziu o cenho. — Você seguiu eles segunda-feira ou hoje?

— Os dois.

Alesia ficou em silêncio, pensando em como tirar mais informação dele, mas logo Art voltou a falar:

— Mas eu não podia entrar tão cedo. Eles não entram no prédio desde segunda, mas tão observando. Então hoje depois da aula arranjei um encontro com a Mila ali... — Ele apontou para um café do centro, já fechado a essa hora. — Pra dar um motivo pra estar aqui do lado caso eles me vissem. E depois, quando os dois estavam com certeza olhando pro Von, tentei entrar.

— Como você sabia que eles estavam, hã, olhando pro Von?

Art respondeu com um sorriso enigmático, sem olhar para ela. Estava voltando a prestar atenção no que dizia. Alesia fechou a cara, mas logo esboçou um sorriso.

— Você saiu com a Mila? — questionou Alesia. Art arregalou os olhos, gaguejando.

— Eu, hã, bom, precisava de...

Alesia riu, mas Art estava tão nervoso que nem deve ter notado. Ele vai ficar tão aliviado com a mudança de assunto que eu posso perguntar o que eu quiser.

— Eu não entendo a sua preocupação. O que eles vão fazer se te virem? E como assim eles tão "olhando" o apartamento? Os dois são moles, Art.

— Não seja tola.

Alesia viu o arrependimento nele imediatamente: um arrependimento decepcionado, de quem usualmente segura pensamentos daquele tipo. Para a sorte de Art eles chegaram no prédio, e pareceu uma boa ideia fazer silêncio. A trava magnética se abriu sem resistência, e o porteiro dormia, sem sinal de tê-los notado passando por ele. Alesia se perguntou se aquele sono era natural. Art logo foi até o elevador.

— Eles não são moles. Isso explica a mudança bizarra do Seh antes da faculdade, e tudo que eu e o Von encontramos ontem.

O elevador chegou, e eles entraram, Art apertando o botão de um dos andares médios.

— Essas evidências são bem rasas, como você tem tanta certeza? — disse Alesia, fingindo coçar a cabeça enquanto arrumava o cabelo no espelho do elevador.

— Eles são, confia em mim. Não é uma coincidência todo mundo ignorar o ano que o Seh passou fora. Foi ele, ou o Henderson, que colocou isso na gente.

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