As Férias de Von (III)

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Animais não assustavam Von. As mentes primitivas eram fáceis de moldar, de seduzir. Mesmo não sendo especialmente bom nisso, como Art era, nem precisaria se esforçar para tornar qualquer bicho seu amigo para o resto da vida, não importa se fosse um cachorro ou um urso pardo. Não que houvesse animais agressivos naquelas terras, claro.

Seres humanos eram perigosos. Tinham armas, mentes perversas e mais difíceis de controlar, e eram ardilosos. Com palavras, mesmo sem grandes efeitos, um homem poderia manipulá-lo. Mas isso era a mente lógica de Von falando. Não temia moles. Podia fazê-los dormirem com um olhar. Podia fazer a terra abaixo deles engoli-los. Uma bala em sua direção facilmente mudaria de trajetória. Um soco, atingiria pedra. Uma faca derreteria. Caso ele desejasse, nenhum homem seria capaz de conceber a ideia de tocá-lo. Tentou repetidamente se convencer a ser precavido contra os moles, mas pra quê? Ele era capaz de tudo, e eles, de nada.

A única coisa que havia para Von temer era alguém como ele.

Depois do aparecimento de Siman, os dias foram mais produtivos. Sim, como dissera para Von chamá-lo, contou que costumava ir ali procurar a paz e solidão necessárias a um estudo mais profundo. Von tentou esconder a empolgação. Era o único semelhante que conhecera desde Merriam... Do que seria capaz? O que conseguiria aprender com ele? Mas ao mesmo tempo, não abriu a guarda. Em nenhuma das noites dormiu: passou oito horas com os olhos fechados e a respiração serena, mantendo-se acordado e estudando dentro da própria mente, como Art lhe ensinara. Desconfiado, como Art também lhe ensinara.

— Os autônomos ficam cada dia mais raros — disse Siman, logo depois que Von, hesitante, explicou ser um. Os dois caminhavam pela mata, trocando experiências. — A maioria se junta a algum grupo simplesmente pela companhia. É difícil conviver só com...

— Moles.

— Moles? — ele riu.

— É — disse Von, tirando um galho da frente do rosto. — Os da mente mole. Os outros, sei lá. Chamo eles assim.

Passaram os dias em discussões amigáveis, longas caminhadas pela mata, experimentações nos lugares interessantes que encontravam. Sim comandava os pássaros, incitando-os a levantarem voo e vendo pelos seus olhos. Von abria trilhas, torcendo os galhos e fazendo a grama recuar. Siman não admitiu abertamente, mas parecia a Von que estava numa situação semelhante à dele: preso em algum acontecimento traumático, sem saber exatamente o que fazer, para onde ir, ou como lidar com o presente. Mesmo sem mencionar o que era, Von conseguia sentir, e empatizar, com o homem.

Sim não fez muitas perguntas, o que Von interpretou como um sinal para não questionar muito também. Ainda bem; como o homem reagiria se ele dissesse que começara a aprender há meros dois anos? Ninguém aprendia tanto tão rápido. Mas mesmo antes dos Picos, eles já eram habilidosos... Naquele último dia, Von afastou a neblina toda do vale. Art, e até Lena, eram capazes de fazer o mesmo. Curioso, nunca tinha pensado nisso. Tinham algum talento natural?

Mesmo com o clima amistoso, os dois não baixavam a guarda. Havia um jogo de identificação acontecendo entre os sorrisos sociais, cada um tentando mensurar o poder do outro. Von fez uma árvore se tornar pedra, para ver como Sim reagia, e depois fez das folhas flores e das flores morte, pensando em Art. Fez o vento correr pela mata toda, rugindo com seu comando, e, sentindo calor demais, fez escuridão. Era como nadar no piche: depois de um tempo, os músculos se acostumaram. Siman era mais sutil no que fazia. Melhorava os sentidos, fazia belas ilusões, controlava animais... Depois de se impressionar com os feitos de Von ele até demonstrou conseguir manipular matéria, mas mesmo com grande técnica suas tentativas ainda eram desajeitadas, sem fé.

Em certo ponto Von tentou testar seu teleporte, mas não conseguiu. Era a presença de Siman? Ele se escondeu atrás de uma árvore, e num instante voltou à caverna onde os dois dormiam.

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