Um problema.
As palavras ecoaram no espaço branco, indo e voltando até quase sumir, fazendo Alesia imaginar se não estava só as imaginando. Depois de falar, Seh assumira um silêncio tenso, pesado, que não combinava com aquele novo ele. Ela não se atreveu a falar.
O espaço branco que cercava os dois escureceu, cheio de manchas que desapareciam assim que a garota olhava para elas, parecendo uma manifestação visual do silêncio insuportável.
Seh suspirou, e o branco voltou a ser branco.
— Mas não é do mistério da minha existência que vim falar. Eu vim aqui porque mudei de ideia, e quero me despedir de você.
— Por que você não quis se despedir de mim antes? — ela interrompeu, mordendo o lábio. Sentia-se uma criança na presença de um senhor respeitável, intimidador em sua grandeza, apesar do quão relaxado Seh estava.
— Eu não fui falar com você porque, antes, você me fez perder o controle. Entenda, uma particularidade da minha vida... — Ele riu, desviando os olhos dela. — Da minha existência, na verdade, é que... Um velho no corpo de um adolescente é um adolescente. Consigo controlar meus hormônios, tenho plena ciência de onde vêm as minhas vontades, mas mesmo assim, ainda assim, há a paixão e o fogo, a tolice das ações, a imprudência... — Seh olhava para baixo. — O suficiente para me convencer a fazer todo o tipo de idiotice, como ensinar quem não deve ser ensinado, intervir pelo mundo, e até fazer umas apresentações em teatros pra sacanear as pessoas.
Alesia piscou meia dúzia de vezes. Seh encarava um ponto indistinto com força, franzindo o cenho mas com os olhos bem abertos, os lábios brancos com a pressão que ele exercia. Tensionou todo o rosto, expirando pesadamente, e a calma voltou.
— Eu não posso intervir, Alesia. Por isso eu não podia falar com você. Talvez você me tirasse da minha lógica e me convencesse a ficar. Talvez você me fizesse perder o controle mais uma vez. — Seh sorriu. — Eu tentei ficar na minha e viver minha vida, mas não funciona assim. Eu acho que minha mera presença já fez muito estrago. Trouxe Merriam à cidade, e fez ele encontrar vocês. Fez Von quase te matar. E, agora, fez Art causar todo esse problema. — Ele suspirou, reclinando-se na cadeira invisível, dando mais uma longa tragada no seu cachimbo.
— Eu devia ter ido embora. Nós dois devíamos ter ido embora. Mas como fazer isso? Depois que percebemos o poder de Art e Von, depois que pensamos no que os dois podiam ser... — Ele tentava esconder a empolgação, mas... Por mais diferente que fosse o jovem à sua frente, Alesia ainda via nele traços do Seh de antes, do tonto, do que passara a adolescência ao seu lado, ao lado de todos, quase tão observador quanto Trevor, quase tão pensativo quanto Art. Nunca foi bom em esconder sua empolgação. — Eu e o Henderson nunca encontramos ninguém como nós. Nunca... Até agora.
Alesia arregalou os olhos. É óbvio! Claro que eu pensei no Seh quando o Art e o Von começaram a mudar do nada. Aconteceu a mesma coisa com ele! Ele e o Henderson foram pros Picos! Por isso a mudança repentina. Por isso o poder. Encaixava-se com tudo.
A não ser... O que foi aquilo sobre um velho no corpo de um adolescente? E sobre conhecer Henderson antes? Ela focou numa pergunta mais simples:
— Espera, você ainda não sabe o que aconteceu com eles?
— Não conversei com eles a respeito. Quer dizer, a situação toda do Livro nos interessou, mas foi só bem recentemente... Só horas atrás que entendemos o quão poderosos eles se tornaram. Precisávamos observar bastante antes de falar com eles. Esse tipo de conversa não...
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Princípios do Nada
Misterio / SuspensoE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...