Alesia deixou a bolsa escorregar até a mão e esgueirou-se pelo canto da sala, esperando não ser notada. Caminhando com a bolsa encoberta pelas cadeiras, ela poderia muito bem só estar voltando do banheiro, não chegando absurdamente atrasada. Conseguiu um lugar nos fundos, encostado na parede.
Era a primeira aula de uma matéria que não fazia parte dos cursos obrigatórios de sua faculdade; na realidade, era de um tema totalmente diverso. Ninguém do grupo sabia que ela estava ali: não queria que eles soubessem sobre sua insegurança. Gostava de Física, gostava muito, mas... O ano com os quatro criou muitas dúvidas. A vida, depois de Merriam e daqueles meses no lago, deixou de ser fácil de entender, simples e plana... Seus planos foram feitos pó depois que ela fez o mesmo com a realidade que acreditava compreender.
Quando Alesia era pequena acreditava em grandes coisas. Acreditava em criaturinhas a observando nos cantos, em reinos distantes e em antigas histórias. Acreditava que o mundo era perigoso mas excitante, incompreensível mas pronto a ser explorado... Mas com a idade e os golpes da vida viu o mundo perder a cor. Convenceu-se de que tudo era como os cientistas lhe diziam, e que não havia nada fora o que ela conseguia ver. Foi duro, mas assim era amadurecer. A ciência não parecera tão empolgante, mas olhando bem fundo era sim.
E então houve Merriam, e agora ela não sabia mais de nada. Pensava que Art e Von sumiriam em breve. Tinha quase certeza de que um dia simplesmente desapareceriam, talvez como Seh e Henderson fizeram, e depois de algum tempo ela ouviria falar deles, entre sussurros e meias-conversas. Aquela vida de acorda-trabalha-relaxa-dorme não serviria para eles. Não precisavam trabalhar, não conseguiriam se relacionar com os moles...
Que nem eu. Tinha que tomar uma decisão, a vida era curta demais para indecisões adolescentes como aquela. E para isso havia aquela aula, de um tema totalmente diverso, que era para ela uma ideia de como seria escolher outro curso.
O professor falava à frente num tom alto mas constante, sua voz um instrumento tocado de forma rotineira, sem emoção. Falava mas não parecia genuinamente empolgado com nada que dizia. Escrevia algumas coisas no quadro, mas Alesia julgou que nenhuma delas era importante o suficiente para ser anotada. Bocejo.
Seus pensamentos desviaram-se para Seh e seu sumiço de um ano, e quando voltou perdeu algum ponto da explicação e a aula já não fazia sentido. Tentou deduzir o que perdera, e sentiu a cabeça pesar. Piscou por um segundo a mais do que o necessário, e sentiu-se bem. Apoiou a cabeça na parede, segurando o queixo com a mão, e sentiu-se confortável até demais. A visão tornou-se turva...
Não! Arregalou os olhos, moveu-se um pouco... mas era tarde demais. Não conseguia se concentrar na aula, não conseguia escrever... As pálpebras eram chumbo e o corpo era pedra, a sala numa temperatura agradável... As palavras do professor eram como notas de uma canção constante, e algo a fez pensar no mar. Suas frases eram ondas, curtas e relaxadas, sua constância criando um chiado confortável...
Sentiu a cabeça pender, e deixou-se apoiar na parede. Havia um jovem alto à sua frente, de forma que os ombros dele ficavam exatamente entre os olhos de Alesia e os do professor. Ele não notaria; ninguém notaria. Cinco minutos e aquilo estaria acabado, ela acordaria num sobressalto e não conseguiria mais dormir. Era sempre assim, inclusive na casa do lago, dormindo numa das camas velhas da família de Von, as cortinas finas deixando a manhã lamber seu rosto enquanto ele se virava, tentando...
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Obrigado pela leitura! Fique ligado, novas cenas serão publicadas todas as segundas, quartas e sextas-feiras. E se você ficou impaciente e quer ler mais, dá uma olhada aqui: http://bit.ly/principiosdonada
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Princípios do Nada
Mystery / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...