Alesia demorou para perceber que não o alcançaria correndo. O morro onde Art estivera não era tão distante da universidade, no máximo alguns quilômetros, mas ele descia cada vez mais rápido, saltando os degraus esculpidos nos pontos mais íngremes das calçadas. Alie parou para respirar, já arfando, colocando as mãos nos joelhos e parando de projetar sua visão tão à frente.
— Toma cuidado — dissera Cella, saindo do estado estupefato que a dominou desde que a universidade voltou ao chão. Enquanto observava Art e Kik no topo do morro, as sugestões de Alesia se dissiparam, mas Marcella não pareceu nada incomodada. Você merece mais que isso, pensou Alesia, logo depois de dizer que ia atrás de Art. Talvez fosse cruel deixá-la sozinha (e se algo acontecesse?), mas Art era mais importante agora. Pediu para Cella continuar procurando Lena, esperando que juntas elas se protegeriam. E onde o Von foi parar?
Art já estava quase na avenida, enquanto Alesia mal saíra do Campus. Ninguém foi atrás dele: nem os Mantos, nem Kik. Corria sozinho, rindo um riso familiar. Sério, onde tá o Von? Von saltaria quinze metros a cada passo e cruzaria a cidade num instante. Isso no passado; hoje em dia, ele provavelmente só apareceria do lado de Art. Ela o viu criando o teleporte, mas mesmo assim não conseguiria imitá-lo.
Espera, ela pensou. Por quê?
Esteve dentro da mente de Von enquanto ele desenvolvia suas técnicas. Ouviu os seus pensamentos, e conseguia se lembrar de boa parte deles. O que a impediria de executá-los?
O fato que o conhecimento das técnicas era uma parte ínfima. Ela precisava acreditar que conseguiria. Ela precisava querer muito.
Art agora deslizava no asfalto, quase chegando na grande avenida que margeava a parte sul do lago, no limite dos grandes prédios do centro. Patinava no ar, deslizando cada vez mais rápido. Alesia tentou falar com ele, mas ele não escutava. Ignorava as mensagens dela da mesma forma que ignorava as mensagens dos outros. Logo estaria longe demais para ela conseguir vê-lo. E ela não tinha nem ideia de para onde estava indo. Art nunca fora previsível. Ela precisava saber o que ele faria agora.
Fé.
Alesia viu Von teleportar: ele a levou com ela, inclusive. Viu Art reconstruindo um braço. Se eles conseguiam fazer isso tão fácil ela conseguiria teleportar uma vez. Só uma. Ninguém da cidade olhava. Ninguém duvidaria dela.
Fechou os olhos, concentrando-se, lembrando-se de como Von fazia... Mas não era suficiente.
Precisava falar com Art. Precisava. Descobrir a verdade naquilo. No Livro. Será que ele era o mesmo dos Picos, que fingiu a própria morte? No que estava pensando? Se as coisas continuassem nesse ritmo, talvez ela não tivesse mais uma chance de perguntar. Talvez ele desaparecesse, como Seh fez, e ela nunca descobriria. Talvez Von estivesse indo encontrá-lo, confrontá-lo, e, depois disso, Alesia não conseguiria perguntar nada a nenhum dos dois. Nunca mais.
Esteve certa, não esteve? A briga entre Art e Von a levou aos Picos, sem os quais não estaria entendendo boa parte do que estava acontecendo. Lá atrás a desculpa era que precisava saber por causa do Livro, mas fora uma desculpa boba. Alesia sabia que Art e Von estavam à beira de uma briga catastrófica. E, por mais feio que possa ter sido nos Picos, podia ficar pior. Sentia a aflição de Cella prevendo isso, mas mesmo a amiga não sabia quão dramáticas podiam ser as coisas. Não sabia que um podia matar o outro. A única pessoa que sabia de tudo, e que podia fazer alguma coisa para impedir isso, era Alesia.
E, para isso, precisava encontrar Art.
Alesia inflamou-se com esses pensamentos, agachando-se, sentindo a solidão e a força, sentindo a dor e a energia, o vácuo, e, por fim, o escuro.
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Princípios do Nada
Mystery / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...