Capítulo 5: Os Mantos da Capital (II)

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O dia mal havia raiado quando começou o papo sério.

— O Von sabe de alguma coisa. Lembra do livro que eu te falei, Alesia? — Alie fez uma careta de desentendimento, mas Art respondeu com outra expressão e a garota entendeu. O livro do apartamento do Henderson. — Ele sabia ler. Eu acho que ele tem algo na cabeça, um conhecimento retido que ele não sabe de onde veio.

— Qual é, falando assim parece que eu nem tô aqui — disse Von, de braços cruzados.

Art perdeu a postura por um segundo, e voltou-se para ele.

— Já aconteceu algo parecido comigo. Acho que a Lena sabe fazer, que nem ela fez com o careca.

— Não é muito fácil, mas acho que é possível. — A voz baixa de Lena circulou a sala como uma brisa quente e fraca.

— Alguém te ensinou essa linguagem, Von, sei lá quem. Essa pessoa quer que você não se lembre disso, e te fez esquecer. Eu consigo tirar essa trava. Se me deixar, quero analisar a situação da sua mente e ver o que eu acho.

— À vontade — respondeu Von, casual. Alesia sentiu a espinha congelar, cima abaixo, e o estômago se embrulhar tanto que chegou a doer.

O QUE?! — ela gritou para Von, sem abrir os lábios.

Relaxa, quase dá pra ver o seu nervosismo — Von respondeu da mesma forma. — Deixa só eu ir no banheiro antes — ele disse, dessa vez em voz alta. Art e Lena acenaram com a cabeça, e ele subiu as escadas, sem nem olhar para Alesia.

VOCÊ TÁ MALUCO? — Ela continuou falando com ele, esforçando-se para manter a cara de paisagem. — É o Art! Você esqueceu dos Picos!? Do que ele pode fazer? Imagina o que ele sabe agora, depois do livro que ele achou e tal!

Com você falando não consigo me concentrar... — disse Von, de alguma forma rindo.

Não posso. Não consigo. Ele vai... eu nem sei o que vai fazer! Roubar tudo que importa de você! Apagar algo importante! Te controlar de alguma forma, te transformar num vegetal, sei lá! Como você consegue confiar nele?

Ei, é do Art que tamos falando. Ele é nosso amigo. Não faria algo assim.

Nosso amigo? Ele tentou te matar!

E eu não tentei matar ele? Eu devia ter deixado isso mais claro... Os Picos, o vermelho e negro, tudo aquilo, mexeu com a gente. A gente ficou meio maluco. Ou você acha que eu conseguiria virar um monge barbudo e pelado por conta própria? Com ele foi assim também. Foi algo dentro da Lena.

Você apostaria sua vida nisso?

Silêncio.

Eu tenho algumas defesas que não vou baixar. Não vou ficar totalmente à mercê dele. E, além disso, tenho você e a Lena pra ficarem de olho. Vou ficar bem.

Ele é muito melhor que todos nós nessas coisas da mente. — Admitir a superioridade de um dos dois para o outro não costumava ser algo inteligente a ser feito, mas Alie mal percebeu. — E nós duas... Olha pra vocês! São maiores do que Merriam, não são? Nós duas somos só crianças perto de vocês. O que eu e Lena realmente faríamos se Art quisesse apagar sua vontade própria e te transformar num escravo?

Ele não vai fazer isso. E vocês duas podem, no mínimo, me acordar. Eu cuido resto. Transformo o sangue dele em mercúrio de novo. — Ele riu. — Nossa, aquilo foi muito legal. Duvido que alguém já tenha feito algo tão maneiro com algum inimigo.

VON! Isso é seríssimo!

Ele suspirou. A descarga soou, e Alie o ouviu saindo do banheiro. Art parecia meditar, e Lena tinha um olhar nervoso.

Eu pensei muito nisso ontem — disse Von, descendo as escadas em silêncio. — Eu sozinho não sei fazer, e eu pedir pra Art fazer pra mim é, no final, igual a pedir pra ele fazer sozinho. Ele tá certo. Eu preciso saber. Esse negócio da linguagem... Acho que foi o Seh que colocou em mim.

Alie sentiu o rosto perder a cor.

Eu preciso saber, e não tem outra maneira. — Ele fez a curva e sorriu para ela. — Vai dar tudo certo. Confia em mim.

Alesia não conseguiu não morder o lábio. Mas foi tudo o que vez. Tinha prometido, afinal. Von deitou-se no sofá, cruzando as pernas e apoiando a nuca com as mãos.

— Só não mexe muito. Algumas coisas aí dentro iam te dar pesadelos... — Ele disse, rindo.

Art aproximou-se, sério.


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