O dia mal havia raiado quando começou o papo sério.
— O Von sabe de alguma coisa. Lembra do livro que eu te falei, Alesia? — Alie fez uma careta de desentendimento, mas Art respondeu com outra expressão e a garota entendeu. O livro do apartamento do Henderson. — Ele sabia ler. Eu acho que ele tem algo na cabeça, um conhecimento retido que ele não sabe de onde veio.
— Qual é, falando assim parece que eu nem tô aqui — disse Von, de braços cruzados.
Art perdeu a postura por um segundo, e voltou-se para ele.
— Já aconteceu algo parecido comigo. Acho que a Lena sabe fazer, que nem ela fez com o careca.
— Não é muito fácil, mas acho que é possível. — A voz baixa de Lena circulou a sala como uma brisa quente e fraca.
— Alguém te ensinou essa linguagem, Von, sei lá quem. Essa pessoa quer que você não se lembre disso, e te fez esquecer. Eu consigo tirar essa trava. Se me deixar, quero analisar a situação da sua mente e ver o que eu acho.
— À vontade — respondeu Von, casual. Alesia sentiu a espinha congelar, cima abaixo, e o estômago se embrulhar tanto que chegou a doer.
— O QUE?! — ela gritou para Von, sem abrir os lábios.
— Relaxa, quase dá pra ver o seu nervosismo — Von respondeu da mesma forma. — Deixa só eu ir no banheiro antes — ele disse, dessa vez em voz alta. Art e Lena acenaram com a cabeça, e ele subiu as escadas, sem nem olhar para Alesia.
— VOCÊ TÁ MALUCO? — Ela continuou falando com ele, esforçando-se para manter a cara de paisagem. — É o Art! Você esqueceu dos Picos!? Do que ele pode fazer? Imagina o que ele sabe agora, depois do livro que ele achou e tal!
— Com você falando não consigo me concentrar... — disse Von, de alguma forma rindo.
— Não posso. Não consigo. Ele vai... eu nem sei o que vai fazer! Roubar tudo que importa de você! Apagar algo importante! Te controlar de alguma forma, te transformar num vegetal, sei lá! Como você consegue confiar nele?
— Ei, é do Art que tamos falando. Ele é nosso amigo. Não faria algo assim.
— Nosso amigo? Ele tentou te matar!
— E eu não tentei matar ele? Eu devia ter deixado isso mais claro... Os Picos, o vermelho e negro, tudo aquilo, mexeu com a gente. A gente ficou meio maluco. Ou você acha que eu conseguiria virar um monge barbudo e pelado por conta própria? Com ele foi assim também. Foi algo dentro da Lena.
— Você apostaria sua vida nisso?
Silêncio.
— Eu tenho algumas defesas que não vou baixar. Não vou ficar totalmente à mercê dele. E, além disso, tenho você e a Lena pra ficarem de olho. Vou ficar bem.
— Ele é muito melhor que todos nós nessas coisas da mente. — Admitir a superioridade de um dos dois para o outro não costumava ser algo inteligente a ser feito, mas Alie mal percebeu. — E nós duas... Olha pra vocês! São maiores do que Merriam, não são? Nós duas somos só crianças perto de vocês. O que eu e Lena realmente faríamos se Art quisesse apagar sua vontade própria e te transformar num escravo?
— Ele não vai fazer isso. E vocês duas podem, no mínimo, me acordar. Eu cuido resto. Transformo o sangue dele em mercúrio de novo. — Ele riu. — Nossa, aquilo foi muito legal. Duvido que alguém já tenha feito algo tão maneiro com algum inimigo.
— VON! Isso é seríssimo!
Ele suspirou. A descarga soou, e Alie o ouviu saindo do banheiro. Art parecia meditar, e Lena tinha um olhar nervoso.
— Eu pensei muito nisso ontem — disse Von, descendo as escadas em silêncio. — Eu sozinho não sei fazer, e eu pedir pra Art fazer pra mim é, no final, igual a pedir pra ele fazer sozinho. Ele tá certo. Eu preciso saber. Esse negócio da linguagem... Acho que foi o Seh que colocou em mim.
Alie sentiu o rosto perder a cor.
— Eu preciso saber, e não tem outra maneira. — Ele fez a curva e sorriu para ela. — Vai dar tudo certo. Confia em mim.
Alesia não conseguiu não morder o lábio. Mas foi tudo o que vez. Tinha prometido, afinal. Von deitou-se no sofá, cruzando as pernas e apoiando a nuca com as mãos.
— Só não mexe muito. Algumas coisas aí dentro iam te dar pesadelos... — Ele disse, rindo.
Art aproximou-se, sério.
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Princípios do Nada
Mystery / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...