Alesia não tinha tempo para descrença. A curiosidade de Erm não duraria para sempre, e era sua única chance. Ela limpou o suor da testa, focando-se nos destroços de um prédio, um daqueles destruídos pelo pedaço caído da avenida, e tentou ignorar todo o resto do mundo.
Mas a mente não tardou a divagar. Enquanto ouvia a batalha entre Von e Erm, ainda enterrada no chão, ela não conseguia parar de pensar no futuro. Imaginava-se viajando por aí como sempre quis, sem uma preocupação no mundo. Dinheiro não importaria. Tempo não importaria. Ela e Von.
Mas antes precisava dar o fora dali. Antes precisava sobreviver.
Alesia acelerou o pensamento o mais rápido que conseguia conceber, lembrando-se vividamente das vezes que Von fez isso nos Picos, e tirou o que restava do prédio do chão. Uma parte dela mal acreditou que era capaz disso, mas conteve essa parte. Fé. Ergueu a construção, e tornou-a menor. E menor. Apertou o concreto e o aço e a madeira com a força que não tinha. A Consequência veio de imediato.
— Não... — ela sussurrou. — Você agora não.
Lembrava-se da sensação que vinha com aquele efeito. A aura de calma de Seh. Seu sorriso inabalável. Fez o prédio ficar pequeno como uma casa. Depois como um carro. Uma bicicleta. Uma maçã.
Erm estava boquiaberto, a expressão correndo entre o espanto, a maravilha, a compreensão e o medo. Parecia sentir tudo que não sentia há muito tempo, preso em uma vida sem surpresas. Ver algo novo era, para ele, uma dádiva perdida. Um milagre. A coisa que o motivou a chegar tão longe, até então desaparecida.
Alesia sentiu os braços abrirem-se em sangue, mas logo eles estavam refeitos. Alguém...? Von.
Continuava pressionando, a força tão intensa que ele nem compreendia. Uma azeitona. Uma bola de gude.
Mais forte... Mais...
Uma ponta de lápis. Um fiapo. Uma célula.
O buraco já começava a sugar a luz. Um prédio próximo se desprendeu e foi engolido em segundos. Alesia sentiu os próprios pés deslizarem pelo asfalto, mas, de novo, Von segurava-a no lugar.
A atração chegava em níveis absurdos. A atmosfera agitava-se como num tufão, convergindo toda para aquele ponto escuro. Os prédios tremiam, caindo e sendo arrastados até o buraco. O centro tomava o aspecto de um olho, a pupila escura no centro sugando tudo. Até Erm deslizava no chão, só o atrito o mantendo no lugar.
Alesia fechou os olhos, tremendo, suando, rezando, e desfez o atrito.
Erm voou ao encontro do buraco como uma bala. Se pensou em reagir, não teve tempo. O corpo do velho, por mais indestrutível que fosse, não resistiu à coisa mais destrutiva de todo o universo. Em uma fração inconcebível de tempo, foi desfeito em três vezes dez na vinte e oito átomos.
Alesia expirou pesadamente, relaxando e apoiando as mãos nos joelhos. Ela não olhou, mas pelo som tudo saía do buraco, uma massa disforme de concreto, aço, plástico, ar e carne, regurgitada de volta ao mundo. A cidade tremeu, e ela foi lançada para trás, caindo de costas no asfalto, arfando. Ela sentiu a euforia da vitória vindo, o sorriso se espalhando pela face...
— Verdadeiramente incrível.
...Mas nunca completo. Erm caminhava na direção dela.
— Eu não tinha ideia que esse método existia. Nunca tinha visto algo assim... Minto. Eu tinha, uma vez. Pelas memórias de outrem. — Ele chegou perto dela, erguendo-a com um movimento de mão. Alesia flutuou a um palmo do chão, esticada. — Seu rosto me era familiar. Mas achei que seu embate com Rocan tinha te feito mais sábia... Callíope, era esse o seu nome? Você mesma tentou fazer isso com Rocan, e viu como destruir o corpo dele não surtiu efeito.
Erm caminhava em círculos em volta dela, ouvindo a respiração rápida da garota.
— Ao final, Rocan realmente não te matou.
Alesia acelerou o pensamento mais uma vez, tentando atacá-lo mentalmente, mas foi repelida como um mosquito tentando morder uma montanha.
— Mas vocês dois ganharam meu respeito. Verão um truque que eu havia reservado para Rocan.
A cabeça de Erm brilhou. Alesia sentiu o pensamento dele trabalhando, mas desta vez não mais rápido ou intenso. Era... diferente. Era como se sua mente tivesse se expandido, ficado fisicamente maior.
Alesia tinha os olhos, já úmidos, grudados em Von quando ele reganhou vida.
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Princípios do Nada
Mistero / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...