Alesia sentiu a cabeça vibrar quando seu grito foi abafado. Explodiu em pensamentos e reações, mas a suavidade da mão que agarrou seu ombro a fez hesitar. Isso e as palavras:
— Calma, Alie. Sou eu.
Alesia se deixou ser puxada para o lado, num beco, e deu de cara com Lena.
— Você quase me matou de susto! — ela disse, arfando, os olhos bem arregalados. Olhou pela esquina e viu Von e Trevor na rua, à distância. Era uma avenida larga e reta; os dois ficariam à vista por muito tempo. Alesia se voltou para o beco e viu a face ansiosa de Lena.
— Desculpa, não achei que ia te assustar tanto... Ainda bem que o Art me ensinou a abafar gritos.
— Quase não deu certo — disse Alesia, tirando a mão da amiga do ombro com um tapinha. — Na próxima você fala alguma coisa antes de sair encostando em mim.
Alesia olhou de novo pela esquina e recomeçou a caminhada, seguindo os passos de Trevor e Von.
— O que você tá fazendo? — disse Lena, apertando o pequeno passo para a acompanhar a amiga, que era quase quinze centímetros mais alta.
— Seguindo eles — disse Alesia.
— Por que você tá fazendo isso?
— Porque eles foram caminhando. Art foi de ônibus, eu não teria como seguir ele sem entrar no mesmo carro. Isso aqui é o melhor que eu consigo fazer por agora. — Alesia falava baixo, concentrada em não perder os dois de vista.
— Por que você tá fazendo isso?
— Eu quero entender onde o Trevor se encaixa em tudo isso — ela disse, olhos cheios de paixão fria.
— Por que você tá fazendo isso? — repetiu Lena, sem mudar o tom.
— Porque... — Alesia diminuiu o passo, olhando para a amiga. Era assim que Lena fazia Alie parar e realmente pensar no que estava dizendo. Irritava-a quando a amiga fazia isso com ela, fazia ela se sentir infantil, mas tinha que admitir que funcionava.
Ou funcionou, nas outras vezes. Agora só fez Alesia ficar confusa.
— Como assim?
— Eu que te pergunto — questionou Lena. — O que você espera alcançar?
A voz imaginária de Von entrou na cabeça dela por um instante, respondendo com um risonho "os dois, ali na frente, não tá vendo?", mas o tom de Lena era sério demais para esse tipo de piada.
— O Von falou com você, é isso? Pediu pra você também cair fora?
— Não, Alesia — Lena soltou um suspiro cansado. — Ele não precisou.
— Qual é Lena, você não quer ajudar eles a resolverem isso? Somos amigos, não? Éramos os quatro — disse Alesia, ouvindo a inocência na própria voz, como Lena também pareceu ouvir. A amiga suspirou, fechando os pequenos olhos claros por um momento.
— Você realmente acha que nós podemos fazer alguma coisa? Você viu os caras no shopping. Eu e você não temos mais lugar nessa coisa toda.
— Você tá desistindo?
— Desistindo de quê? Morrer por nada?
Alesia estremeceu da mesma forma que fazia quando tinha oito anos e começava a entender o conceito de morte.
— Quem falou em morrer?
O riso sarcástico de Lena era tão raro que feria como uma chuva de agulhas.
— Quem não falou? A coisa é séria, Alesia. Você sabe tão bem quanto eu.
— Mas é isso que é ter amigos, não? Se eu não me arriscasse por eles, a nossa amizade não valeria nada. E eu não sou tão inútil assim, tenho certeza.
— Tem certeza? Baseado em quê? Você tem a menor... — Lena procurou palavras, remexendo o ar à sua frente com as mãos. — Ideia do nível que o Art e o Von alcançaram?
Eu tenho uma ideia muito melhor que a sua, Helena.
Mas se mesmo Lena, que não sabia dos Picos, entendia a distância entre as habilidades deles... Será que não estava certa, e era só a teimosia de Alesia impedindo-a de ver a verdade?
— Vamos dar o fora, Alesia. Eu vi que você tentou convencer o Von a fazer o mesmo e tal, e se você não consegue, ninguém consegue.
Viraram numa esquina mais movimentada, com um grupo de jovens reunindo-se à porta de um bar qualquer. Von tinha, há pouco, passado por eles, tão sutil em sua sugestão que a multidão abriu passagem sem nem perceber. Ele fazia aquilo sem esforço, da mesma forma que caminhava, ou respirava. Alesia teria que se concentrar bastante para repetir aquele feito, e mesmo assim... Não. A Lena não tá certa. Eu ainda posso ser útil.
— Então você ouviu a nossa conversa — Alesia cerrou os dentes para a amiga. — Como você não vai fazer nada quando ele fala que pode morrer?
— Por que você faz isso? — disse Lena, cansada. — Por que você continua dando essa esperança?
— Esperança?
— Você sabe do que eu tô falando. Se importando tanto assim, até a ponto de se arriscar...
— Do que você tá falando, Lena? — disse Alesia, e instantaneamente se arrependeu. Não tivesse mentido quem sabe teria evitado a fúria de Helena, visível em seus olhos. Estranhamente, a garota engoliu pesado e tirou todo o ar dos pulmões, e quando falou tinha a voz contida de sempre.
— Estou farta disso, Alesia. Esquece, é melhor pra todo mundo. A gente só vai atrapalhar. Tenho certeza que o Art e o Von vão resolver tudo. — Ela abriu um pequeno sorriso. — A Cella nos convidou pra dormir na casa dela, a Clara vai também. Vai ser divertido, como foi na casa do lago outro dia... E não vamos ter que cuidar de ninguém desacordado.
— Isso é bem típico de você, Lena — disse Alesia, enojada. — Não fazer porra nenhuma. Eu me recuso. Até mais.
Alesia acelerou o passo, deixando Lena para trás. Mas a amiga não tinha terminado de falar.
— Então você não me dá escolha.
Uma mão atravessou o cabelo de Alesia, depois a nuca, o crânio, o cérebro, e alcançou sua mente. Era quente, cuidadosa. Depois de tanto tempo sem praticar, Alie não teve o reflexo de resistir. Lena agarrou a amiga e encostou-a na parede, os braços impedindo Alesia de cair enquanto a mente fazia o trabalho pesado.
— Lena... O que... — tentou Alie, mas a boca parou de funcionar.
— Você pode me odiar por isso — disse Lena —, mas eu me odiaria mais se não fizesse.
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Princípios do Nada
Mystery / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...