Capítulo 5: Os Mantos da Capital (I)

12 0 0
                                    

Era só em noites como aquela, no lago, que Alesia percebia o quão pequena ainda era a cidade. Não se ouvia nada fora os mínimos sons produzidos por quem dormia na casa, eles e as ondas distantes. O vento era fraco e frio, e as árvores duras recusavam-se a ceder ao seu passar, mantendo-se em silêncio. Olhando para cima Alie via mais estrelas do que achava ser possível tão perto da civilização. No silêncio, ela se imaginava ouvindo-as, sussurrando sua canção cósmica. No horizonte havia o brilho oscilante do centro da cidade, mas não era suficiente para calar os astros.

A madeira da sacada havia sido pintada, ela percebeu ao passar a mão no corrimão. Estava liso e brilhoso; da última vez estivera áspero e cheio de farpas... Da última vez Seh estivera ali. Quando pensava nele e em todas as coisas que o envolviam, o apartamento, o sumiço de um ano, todo o resto ficava menor. O Livro que podia ir ao inferno se ela pudesse fazer algo para entender tudo que acontecera e ainda acontecia. Seh...

— Insônia?

Alesia se virou rápido, por um segundo esperando encontrar Seh. Von soltou seu melhor sorriso sarcástico ao ver a expressão de surpresa da garota. Ele atravessou a abertura e postou-se ao lado dela, apoiando os cotovelos no corrimão.

— Também não consigo dormir. Não consigo dormir direito desde segunda.

— Mas eu te vi dormindo agora há pouco... — disse Alesia. Em sua caminhada até a sacada tinha saído do quarto das garotas e visto Art e Von caídos na sala, imóveis.

— Anda sendo assim. Eu durmo, eu sonho. — Von fechou os punhos com força. — Eu acordo.

Mesmo sob a fraca luz das estrelas Alie via as olheiras. Ela só vira o amigo assim logo antes do vestibular, e mesmo naquela época ele não parecera tão mal. Von tinha dois estágios de estresse: no primeiro ele perambulava por todos os lugares, incapaz de parar, falava meias palavras e fazia meias coisas... No segundo parava, e ficava sereno. Isso às vezes significava a desistência, a representação do "foda-se", mas noutras era um tipo de compreensão triste, a súbita percepção de que nada que ele fizesse adiantaria. Alesia sentiu-se estranha por saber daquilo tão bem. Ela poderia argumentar que Trevor lhe explicara aquilo há alguns anos, mas estaria mentindo. Soube desde sempre.

— Escuta — começou Alie, mas não teve coragem de continuar. — Hã... A casa está segura?

— Cem por cento. — Von falava com os olhos fixos no horizonte, mirando o lago, e, além dele, a cidade. — Eu e a Lena fizemos várias coisas, se alguém tentar entrar todos nós acordamos...

— Mas...?

Ele a olhou com surpresa por um segundo, e ela mal precisou de um olhar para explicar.

— Mas eu não sei se vai dar certo. Sinceramente, não tenho a mínima ideia do que esses caras são capazes de fazer. Mas eu me esforcei ao máximo. Testei várias hipóteses.

— Você tem que tomar cuidado com isso, Von — disse Alesia. — Você tá sendo inescrupuloso. Tá se esquecendo da Consequência.

Alesia sabia o que viria a seguir. Von encarnaria seu eu arrogante e argumentaria que a Consequência era história pra boi dormir. Ela, então, diria que o que aconteceu com ele depois que voltou dos Picos foi a Consequência, e que de alguma forma Art salvara sua vida. Teve essa conversa dentro de sua cabeça mil vezes; ensaiava desde que despertou e percebeu que não conseguiria dormir.

— Eu sei — disse Von, suspirando.

— O que aconteceu no... Espera, o quê?

— Eu sei. Quando saímos da Lena, sim. Eu demorei um pouco mas entendi.

Princípios do NadaOnde histórias criam vida. Descubra agora