O movimento no centro da cidade era estranho. As calçadas amplas ficavam cheias o dia inteiro, com um pico de movimento hora do almoço e no final de tarde, quando, depois de um surto de gente quase inacreditável para um município pequeno, o bairro morria em minutos. Via-se os mais espertos nos cantos das ruas, sentados confortavelmente em cafés, sabendo que dali a pouco aquela massa insana de pessoas evaporaria num piscar de olhos. No momento da calma o centro era ótimo de se caminhar, um oásis de paz e segurança, banhado pelos últimos raios de sol.
Alesia reconheceu Art a algumas ruas de distância, notável por sua altura e camiseta branca sem graça de sempre, e percebeu que, caso o amigo estivesse tão distraído quanto parecia, dali a cinco minutos voltaria à realidade confuso, perguntando-se onde todo mundo tinha ido. O que estaria fazendo no centro?
— Oi Alesia. Vem até aqui.
Ela obedeceu, confusa.
— Como você fez isso? — disse Alesia, depois de atravessar o mar de gente e chegar até ele. — Você tava tão longe.
Art voltou-se para ela e sorriu, sem graça. Do lado dele ela se sentia uma anã.
— Eu aprendi muita coisa este mês.
Art abriu a boca para continuar, e Alesia pensou rápido. Ele falaria do Livro; óbvio ele que falaria do Livro. Depois de vê-lo, quando Alesia finalmente conseguiu parar de vomitar e voltou à mesa quase vazia do grupo de estudos, ficara surpresa com Cella contando que Art não fez nada enquanto Von tomava conta da situação, desaparecendo com o Livro e levando Lena e Trevor com ele. Mas sabia que aquilo não estava resolvido. E não queria tocar no assunto. Não agora, e não com Art.
— Você voltou ontem? — ela perguntou.
— Voltei? — ele gaguejou, engolindo o que ia falar.
— Você tava viajando com o Von, não? — disse Alesia. Ele franziu o cenho. — Qual é. Vocês dois sempre viajam juntos nas férias de inverno.
— Ah... Dessa vez não.
Foi a vez dela franzir o cenho. Art coçou o queixo áspero e pareceu perdido, como se aquelas palavras não estivessem no roteiro que tinha criado para aquela conversa.
— Você andou conversando com ele? Com o... — Alie percebeu imediatamente a hesitação na voz, como se Art não conseguisse escolher como chamar Von. — Hã... não falei com ele as férias inteiras.
— Pelo que sei, nenhum de vocês falou com ninguém as férias inteiras. Onde você tava?
— Estive... longe. Sozinho.
Alesia abriu a boca para perguntar, mas parou. Qualquer pergunta que fizesse seria respondida com meias verdades, precisas omissões e ainda mais mistério. Conhecia Art. Suspirou, tirando os olhos dele.
À frente dos dois havia uma pequena livraria, dentro de um prédio antigo que algum dia fora uma casa. Em uma placa tosca lia-se "Livraria Lima".
— É aqui? Aqui que o Trevor conseguiu... — Chamá-lo de livro não parecia certo. — Aquilo?
— É. — Art falava baixo, com uma seriedade que se tornava cada vez mais comum nele. Alesia mal o ouvia entre o som de todas as pessoas que os cercavam. — O Von veio aqui hoje de tarde, falou com uma ou outra atendente e não descobriu nada. Tentou repetir o que Trevor fez, mas nada aconteceu.
— Como assim o que o Trevor fez?
— Ele... — As palavras travaram na garganta de Art, e ele olhou para os lados, inquieto. Quando pousou os olhos em Alesia, a garota respondeu com um olhar intenso e irritado. Não o deixaria mudar de assunto. — O Trevor se embananou com as palavras. Pediu o livro "Transferência dos Fundamentos de Calor", não Fundamentos da Transferência. O Von achou que quem sabe fosse algum código.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Princípios do Nada
Mystery / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...