Capítulo 3: Os Picos (II)

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Alesia demorou bastante para encontrar Von, mesmo usando seus truques. Logo chegou em um clarão circular no meio do Bosque, coberto de tocos, as copas das árvores formando um teto abobadado que a fez pensar em catedrais. Von estava sentado no chão, e não pareceu ouvi-la chegando. Você finge tão mal.

— Von.

Ela tinha certeza que ele estava fingindo não ter ouvido os passos dela, mas o jovem ergueu a cabeça, alarmado, e demorou para encontrá-la.

— Alesia. Oi.

— Oi.

Ela sentou ao lado dele, apoiando as costas no mesmo toco. Ele logo tirou os olhos dela, fitando o nada. Alesia se lembrou do que Lena contara, sobre como ele estivera logo depois que Art partiu. "Cabisbaixo" era uma palavra fraca demais.

Se Cella estivesse ali tentaria de todas as formas confortá-lo, ouvi-lo, tirá-lo daquela tristeza. Essa era Cella. Era simples para Cella. Por mais que Alesia gostasse muito mais de um Von feliz, não sabia como animá-lo. Talvez só conversar fosse o suficiente, afinal, não falava com ele há meses, mas não tinha ideia do que dizer. E não queria ser ela a começar a conversa. Von que deveria começar. Von que devia se desculpar.

— Acho que fui meio grosso com a Cella — ele finalmente disse.

— De certa maneira você tá certo — disse Alesia, tentando relevar a atitude estranha do amigo. Von não era de voltar atrás tão fácil, e não era também tão desanimado... Tinha mais alguma coisa incomodando ele, será? Ou era só a aparição do Livro, a briga com Art, a briga com ela... "Só". É, Von tinha vários motivos para estar como estava. Ainda assim, parecia pouco. Ele era resiliente. Uma coisa de cada vez, pensou Alesia. Primeiro a briga, depois o Livro, depois o resto. — Você acha mesmo que alguém vai vir procurar o Livro?

— Com certeza — ele disse, endireitando as costas. — Quem sabe tenha sido isso que o Merriam veio fazer antes de nos encontrar: achar algum livro. Talvez seja isso, uns livros maléficos vêm parar na cidade de dois em dois anos. — Alesia quase riu, mas Von continuava sério. — Aposto que muita gente daria muito pra ter um negócio como esse.

— E foi parar na mão do Trevor?

— O Trevor embaralhou as palavras e quem sabe tenha soltado algum tipo de código quando pediu o livro, mas eu acho improvável. O Art diz que quem sabe alguém esteja nos testando. Eu não sei. — Ele suspirou. — Mas alguém deu isso pra gente. Livros não têm vontade própria.

— Será? — ela perguntou, travessa. Von não exprimiu sinais de riso.

— Isso é algum esquema. Algum jogo. É coisa de gente maior que adeptos que nem o Merriam.

Von deixou-se cair de costas no chão, levando as mãos ao rosto. Alesia via os sinais do desconforto que a presença dela causava: ele estava tenso, falava baixo, desviava os olhos. Mas ao mesmo tempo Von parecia tão cheio de preocupações que ficava difícil entender o que ele estava sentindo.

Nunca vira Von assim, tão instável. Um senso moral nela dizia que não podia se aproveitar disso... mas precisava. Era a melhor hora para tentar. Era para o bem de todos.

— O Art me contou.

— Contou o que? — Ele não se moveu ao falar, o som saindo abafado pelas mãos que cobriam o rosto.

— Sobre os Picos.

Von se ergueu de imediato.

— É mesmo?

— É — disse Alesia, o rosto como se tivesse perfeita ideia do que dizia. Não conseguiria blefar daquele jeito com Art; mas Von, principalmente naquele estado, não notaria.

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