O vento correu pela sala, e o som da porta se fechando foi um trovão. Alesia saltou no lugar, limpando a boca. A folha branca do caderno tinha o relevo do seu rosto. A garota olhou à sua volta, assustada, e por um momento não reconheceu a escuridão que a cercava.
A sala de aula. Por que as luzes estavam apagadas? A aula tinha acabado e ninguém a acordou? Ela não ligou. Tinha mais a se preocupar do que a opinião de gente que nem conhecia. Precisava achar Von. Por que lhe enviara a história pela metade? Enfiou as coisas na mochila e saiu.
O prédio estava uma bagunça. A aula provavelmente acabara há pouco tempo, já que alunos disparavam para fora das outras salas, expressões de alívio no rosto. Era o final do período da noite, dez horas. A universidade só ficava mais agitada na hora do almoço.
Com tanto movimento seria difícil achar Von: muitas pessoas atrapalhavam, como lhe ensinou Merriam, mesmo quando elas não sabiam que algo não natural estava sendo feito. Além disso, ele provavelmente estava longe, talvez até fora da universidade. O grupo de estudos raramente ia até aquela área do campus, a noroeste. Poucos alunos das ciências exatas andavam por ali, pelas conversas dos transeuntes.
No caminho entre os prédios, cheio de árvores, bancos e antigos postes de luz, ela via mais pessoas do que conseguia contar. Alesia esgueirou-se entre a parede de um prédio e uma árvore, parando e tentando transformar o movimento e a conversa em ruído de fundo. Pensou em Von e na sensação que vinha junto com ele. Mentalizou-o como estava duas horas antes: a jaqueta preta, as calças escuras, o cabelo desarrumado...
Estava perto, surpreendentemente perto. Soube disso por poucos segundos, até o ruído tirar sua concentração, mas conseguiu definir que ele estava parado em algum ponto à direita dela. Saiu de trás da árvore sem ser notada, e caminhou vigorosamente entre os jovens moles.
— Moles — sussurrou para si. — Tô parecendo o Von.
A noite já era densa, e entre a luz dos postes havia grandes ilhas de escuridão, onde as sombras dos alunos ousados dançavam. Havia tanta gente. Ele poderia ter saído do lugar, até ter passado ao lado dela...
O homem gordo que caminhava à frente de Alesia fez uma curva, e, além dele, ela viu. Sentado numa mesa de plástico, na área externa de uma lanchonete grande do campus. Bebia alguma coisa. Ela não conseguiu ver com quem Von estava, a luz dos postes era fraca demais, e a lanchonete era ainda mais movimentada que o resto da universidade. O rosto do amigo era só parcialmente iluminado por uma das lâmpadas, e Alie não conseguiu definir se sorria ou se era sério.
— Von — disse ela, surgindo ao seu lado.
— Alesia — respondeu Von, olhos arregalados. Ficou um instante em silêncio, surpresa estampada na face, antes de continuar. — Senta, a gente...
— Tô de passagem. Eu...
— Recebeu minha mensagem? — Von ria seu riso convencido. — Dá pra ver, tá com os olhos inchados...
Alesia tentou ignorar o sangue que subia por sua face.
— Faltou o final — ela disse, colocando em três palavras algumas centenas de perguntas. Toda a coisa dos Picos acontecera mesmo? Se fosse alguma piada, Von entenderia de verdade o que significava ira.
— Ora, é só continuar ouvindo, eu já mandei tudo. Tenta...
— Von, Art. — Tom surgiu entre o amontoado de pessoas tão repentinamente que os dois quase caíram das cadeiras. O homem ignorou a surpresa. — Alguém veio procurar o Livro hoje.
Von abriu a boca para soltar uma exclamação, mas Tom parou com a mão, continuando:
— Procurou na biblioteca e em alguns prédios, andou a esmo, foi ao bosque, saiu de mãos vazias.
— Como você... — Art começou, mas deixou a fala morrer. Não era justo perguntar aquilo a Tom; não fazendo o que eles faziam. Espera, Art? Alesia só prestou atenção nele naquele instante. O que estava fazendo ali com Von?
— Era um homem? Sabe algo sobre a aparência? Saiu há muito tempo? Onde foi? — disse Von, quase rápido demais para ser compreensível.
— Sim, não, não, pegou o ônibus oito-três-dois. — Tom falava quase sem emoção. — Depois que saiu da universidade eu não soube de mais nada.
— O oito-três-dois é o volta norte... — Von baixou os olhos, batendo com o nó dos dedos na testa. Arregalou os olhos. — A casa do lago.
— VON, NÃ... — Art ergueu um braço, mas foi lento. Von correu os olhos pelos postes próximos.
As lâmpadas explodiram.
Quando Alesia abriu os olhos a lanchonete havia se tornado uma confusão de gritos, pedaços de vidro, escuro e movimento. Várias pessoas se desesperaram, saindo dali, sem saber o que fazer. Ela não viu Von.
— Merda — soltou Art, procurando, em vão, o colega no escuro.
— Qualquer informação nova eu aviso — disse Tom, que não parecia nada além de ligeiramente surpreso. — Nos falamos, Art, Alesia. — Ele se mesclou com a confusão, sumindo na escuridão antes de esperar uma resposta.
— O Von foi direto pra casa do lago? Ele consegue? — perguntou Alie. Mal pôde ouvir a própria voz entre a confusão dos alunos. Sabia que Von não saíra andando: os ecos do que fez ressoavam na mente da garota como sinos de igreja abafados por panos. Os mesmos panos que, para a maioria dos estudantes, eram grossos a ponto de segurar completamente o som.
— Aparentemente. Todo mundo ficou tão surpreso e distraído com as lâmpadas que a fé de ninguém se opôs a um cara sumindo.
Será que era assim que acabava a história? Von ficou tão bom no teleporte que, no dia seguinte, conseguiu voltar direto do oriente, ou sabe-se lá onde eles estiveram? Claro que não, a não ser que ele tivesse, também, descoberto como voltar no tempo.
— Vamos atrás dele? — Alesia respondeu da mesma forma, entendendo a futilidade que era se comunicar por som em meio à confusão.
— Não sei se vale a pena... Eu não consigo ir do mesmo jeito que ele foi, e vai demorar horas até a gente chegar de ônibus. Mas, com as atenções lá... É uma boa hora pra tentar uma coisa.
Art se levantou sem esperar resposta, deixando-a sozinha na lanchonete, agora quase vazia. Alesia não soube o que pensar. Art tratara-a tão bem nas últimas vezes... E agora a ignorava por completo? Ele não queria mostrar alguma coisa pra ela?
Bom, essas respostas ficavam para depois. Por mais estranhos que fossem os acontecimentos dos últimos minutos, ela não conseguia pensar em algo para fazer. O que mais queria saber era como acabava a história dos Picos.
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Obrigado pela leitura! Fique ligado, novas cenas serão publicadas todas as segundas, quartas e sextas-feiras. E se vocêficou impaciente e quer ler mais, dá uma olhada aqui: http://bit.ly/principiosdonada
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Princípios do Nada
Mystery / ThrillerE se a vida pudesse ser tão interessante quanto você achava que seria quando criança? E se todas as histórias que você imaginava, as aventuras, os poderes, a grandeza que você esperava para si... E se tudo isso fosse de novo verdade, tão real que ch...