Capítulo 2: Amigos (VI)

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A chuva não deu sinal de que iria embora, e nem Trevor. Sentava-se naquele banco de pedra frequentemente, em silêncio, observando. Era uma pequena área pavimentada, um quadrado de piso e uma cobertura de telhas no meio da grama que envolvia o restaurante (era chamado só assim naqueles dias; ninguém se referia a ele com o temível nome de cantina universitária). Dali ele via uma das entradas do prédio e também o centro de convivência do campus. Espremendo os olhos ele conseguiria ver até o bosque, ao norte, e o aberto do reitor, ao leste.

Trevor sentava-se como uma estátua viva. Viu os primeiros a irem ao restaurante jantar, a fila crescendo, orgânica, cheia do cansaço, estresse e felicidade do final do dia... Ouvia meias palavras, conversas das cotidianas às complexas...

Viu o crepúsculo chegar e reinar, trazendo com ele a serenidade. A chuva afastou a maioria das pessoas, mesmo depois dela perder a força, tornando-se uma garoa fina que não fazia som. O campus pela noite era uma terra de ninguém, um silêncio interminável.

Uma vez Trevor acabou ali por acaso, e, imerso na meia-luz amarelada, abraçado pelo vento frio e esmagado pela certeza de que não havia ninguém num raio de centenas de metros, sentiu-se bem. Uma sensação sublime, fugaz, uma paz de espírito que não encontrava em nada mais. Às vezes, só às vezes, chegava naquele estado enquanto observava, e aquilo o motivava a retornar. Parecia que se aproximava de algo, chegava perto de entender, cada vez mais perto, as palavras na ponta da língua, fugindo dele.

Entender o que, ele não sabia dizer. Quando pensava conscientemente nisso só uma frase lhe vinha à mente, por mais desconexa que fosse. Entender a verdade do universo.

— Por que você faz isso?

— Não sei — respondeu Trevor, os olhos fixos em sabe-se lá o que, a mente perdida.

— Isso é o que você responde aos outros. Por que você faz isso?

— Porque eu queria entender. Ver as pessoas e saber por que são como são, e como eu posso fazer para entendê-las, conhecê-las.

— Esse é o seu motivo lógico para vir. Por que você faz isso?

Trevor hesitou.

— Porque eu às vezes me sinto vazio. Me sinto fora de mim, fazendo parte de algo maior... Sinto como se todas as minhas preocupações sumissem, e nada pudesse me tirar daquilo. É meio estranho. Não sei explicar.

Seh sorriu.

— Seh!? — disse Trevor, voltando-se ao amigo. — Você não apareceu hoje... O pessoal ficou preocupado!

— É. Mas nem todos ficaram preocupados comigo.

Trevor coçou os olhos por baixo dos óculos, despertando de seu estranho estado de consciência (mas não totalmente; ainda se sentia leve, longe, uno), e olhou em volta. Não viu mais ninguém.

— Por que você diz isso?

— Por que é verdade. Ficaram preocupados com o que a minha ausência significava, depois que o Livro apareceu. Art e Von, principalmente, ficaram preocupados com isso. Alesia também; ela não se preocupa comigo. Nunca se preocupou, e quando teve motivos para isso eu os tirei dela.

Há muito tempo Trevor nutria dúvidas sobre a autenticidade de Seh. Sobre o quão o amigo era realmente genuíno com eles, sem máscaras ou fingimentos. Era difícil chegar em uma conclusão: Seh era ao mesmo tempo muito honesto e muito... contido.

Naquele momento, entretanto, Trevor teve certeza. Aquele era o Seh sem máscaras. Não havia diferença clara no modo de falar, na postura... mas estava lá. Ele não conseguia explicar essa intuição, essa certeza, da mesma forma que não conseguia explicar o estado fugaz que atingia certas noites. A certeza só crescia a cada palavra do amigo:

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