Capítulo 1: O Livro (II)

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Trevor caminhava pela biblioteca, passo apertado, olhos no chão. Não fosse tão silencioso, seus passos ecoariam pesadamente e dariam vida àqueles mortos saguões, onde dali a alguns meses milhares de jovens iriam se aglomerar desesperadamente. Mas o semestre acabara de começar, e os poucos que eram responsáveis o suficiente para começar seus estudos logo na primeira semana preferiam as mesas mais reclusas, como aquelas que se escondiam entre a selva de prateleiras.

Ele carregava um embrulho numa das mãos, displicente. Mais um livro entre as centenas que se encontravam ali, mas um que, surpreendentemente, eles não encontraram. O professor avisara com antecedência, bastante amigável: "vocês vão precisar daquele, que não tem na biblioteca e nem em nenhum outro lugar". As palavras não foram bem essas, mas para Trevor sua memória foi próxima o suficiente. O azar de procurar o maldito livro, pelo justíssimo sorteio de palitinhos que o grupo de estudos sempre fazia, caiu para ele. Não esperava encontrá-lo, mas, no auge de sua falta de jeito, encontrou. Pensou na garota da livraria e sentiu um frio preencher as veias, tornando-o leve e dolorido, como se estivesse prestes a sair flutuando dali para esquecer daquela situação. Não esqueceu, e nem abriu o embrulho. Mal tocou nele, sempre lembrando da falta de jeito, das palavras erradas.

Entrou num pequeno corredor de estantes e seguiu, percorrendo um caminho bem conhecido de curvas. Era uma mesa distante e perdida no labirinto que as prateleiras formavam, e por isso o grupo de estudos a escolhera. Ninguém jamais roubaria a mesa deles; a maioria dos estudantes sequer imaginava que ela existia. Virou a última curva e deu de cara com eles.

Estavam todos à sua espera. O grupo de estudos, a maioria deles seus amigos desde o primário, ou até antes.

— Conseguiu o livro? — disse Clara, seus olhos escuros aparentemente incapazes de ver o embrulho na mão de Trevor. Era uma menina baixa e esquisita, a mais nova no grupo. Ele não tinha intimidade com ela, e nem fazia questão de ter. Perguntava-se constantemente como ela foi parar ali. Mas, bem, foi assim sempre que alguém entrou no grupo, não?

— Claro que consegui. Tá aqui — disse Trevor, balançando o embrulho.

De todos os nove na mesa, o único que não arregalou os olhos foi Tom. Von parecia especialmente surpreso, mesmerizado, por mais que, se a memória não traía Trevor, ele não estivera nem aí para o livro quando discutiram isso, no final do semestre anterior.

— Não achamos que você conseguiria — disse Art, endireitando a coluna e coçando o queixo. Mesmo sentado, dava para ver que era o mais alto da mesa por uma margem grande.

— Que bom que você achou! — disse Cella, juntando as palmas das mãos e sorrindo mais que todos os outros juntos. Ela estava radiante, o cabelo claro bem escovado, de alguma forma ainda mais bonita do que no semestre anterior. — Foi muito difícil?

Trevor voltou-se para ela e engoliu em seco, o embrulho tremendo na mão, preparando-se para recitar a versão sem humilhação da nada incrível história de como conseguiu o livro (que ensaiara antes de chegar ali), mas uma mão encontrou seu braço e o arrastou para longe.

— Com licença pessoal — disse Von, tentando deixar a voz mais suave que o rosto. Trevor viu todos olhando para os dois, e uma sugestão de dúvida nos olhos de Tom.

— Onde você conseguiu isso? — perguntou Von, os dois já sozinhos no corredor de prateleiras, longe dos olhos dos outros. Sua voz era gelo.

— Oi Von, quanto tempo — disse Trevor, meio rindo, meio nervoso.

— Sério. Onde? — Só agora Trevor notava como o amigo estava. Não era muito mais alto que Trevor (que tinha uma estatura média), mas, em momentos como aquele, parecia mais alto até do que Art. Usava a jaqueta preta de costume, tinha o cabelo escuro um pouco maior e espetado para cima (que, segundo ele, era somente culpa de sua genética), e os olhos esbugalhados correndo entre Trevor e o embrulho que ele tinha na mão. Von parecia ao mesmo tempo querer agarrá-lo e não querer nem chegar perto dele.

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