Formatura (II)

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Von estava embriagado o suficiente para chegar em Mila com uma confiança implacável que deixaria Tom orgulhoso. Embriagado o suficiente para deixar a conversa de antes, com Art, para lá e aproveitar a noite. Estivera se preparando por dias para esquecer Alesia, como sua amizade pedia; e não era pouco o álcool que precisou para aquilo. Sentia o hálito fresco da garota, que era só um punho mais alta que Lena, e via os olhos dela dançarem pelo seu corpo, incapazes de fixar-se diretamente no olhar dele. Mal sabia o que estava dizendo; as palavras saíam quase automáticas, cada uma pretexto para chegar mais perto, falar mais baixo, vê-la chamá-lo da maneira sutil que as garotas têm...

Então desviou o olhar e toda sua preparação foi pro caralho.

Não estivera exatamente evitando Alesia naquela noite, mas, também, não estivera procurando por ela. É o que deveria fazer. Esperava vê-la de esguelha, quem sabe trocar algumas palavras com ela e voltar para a festa, no máximo. Esperava que ela mal olharia para ele.

Mas um cruzar de olhos foi o suficiente para tirar o mundo do caminho.

Não estava embriagado o suficiente para o que se seguiu. O mundo virou de cabeça para baixo, de novo e de novo, cada segundo bêbado ainda mais surreal, mais parte de um de seus sonhos de adolescente do que de qualquer realidade que ele esperava ver. Não mentia para si; sabia que já tinha pensado naquilo. Já tinha sonhado, planejado, e até quase feito. Mas não; e, sendo assim, não tinha por que pensar que Alesia algum dia daria a ele um olhar como aquele. Um olhar que, um minuto depois, tornou-se um fechar de olhos, um aperto dos corpos, uma manifestação intensa de tudo que ele sempre quis.

Segurava-a pela cintura, as mãos firmes sentindo o tecido macio, subindo pelas costas, para a nuca, para o pescoço. Sentia os dedos esbeltos dela despenteando seu cabelo, puxando seu terno, a respiração acelerada na sua bochecha. A música tornou-se o pulso dela, o aroma seu perfume, o paladar seu hálito, o toque seu corpo. Nos olhos fechados havia só as sombras coloridas dos dois andares da festa, o vermelho acima, o escuro abaixo.

Não houve palavras. Quase não conseguiram sair da festa sem desencostarem os lábios, e Von não teve ideia de como terminaram no apartamento dela. As luzes nunca se acenderam, mas a lua era branca e forte pelas janelas. Chocaram-se contra as paredes depois que a porta estalou atrás deles, e logo estavam no carpete. Von tentou tomar cuidado com o vestido, o zíper delicado, enquanto sentia as mãos dela destruírem metade dos botões da sua camisa.

A pele dela era alva na lua branca. Imaginara aquilo um milhão de vezes nas noites insones, nas raras vezes que foram tomar banho no lago, no tédio de aulas, enquanto ficava bêbado. Antes que pudesse admirá-la foi de novo engolido pela sua gana, sua paixão. O terno desapareceu, junto com o vestido. Von estava sem ar; tanto metafórica quanto literalmente. Ela não dava tempo para ele pensar, arranjar um elogio sincero, entender como diabo aquilo estava finalmente acontecendo.

O resto da noite foi eterna. Nunca saberia quanto tempo ficaram na sala, e depois no quarto, e depois no chuveiro, e depois no quarto de novo. Ela era insaciável, e ele era jovem e apaixonado. Sempre fora. Desde que percebeu que ouvir uma palavra dela já fazia um dia valer a pena. Desde quando a viu pelo primeiro momento, sentada no canto, emburrada, escrevendo.

Não trocaram duas palavras, mas trocaram olhares suficientes. A última lembrança que Von teve daquela noite era a cama dela, pequena, infestada com seu cheiro doce, os dois aninhados em cima das cobertas. Seu corpo todo doía. Sua mente doía. Ainda não acreditava. Não conseguia nem sorrir, a felicidade e confusão confundindo-se com a embriaguez numa briga de pensamentos rápidos. Mas logo antes de adormecer, num segundo só, sentiu-se feliz. Realizado.

O dia seguinte foi sóbrio, igualmente estranho, mas pesado. As palavras eram duras. Despediram-se com um beijo rápido, quase triste, e ele congelou. Tinha as palavras prontas. As três palavras. Ensaiadas por anos. Ela escutaria; ela se dobraria por ele. Ela até sabia.

Mas não foi capaz de dizê-las. Ao invés...

— Você sabe que não era isso que eu queria — ele disse, já na porta. As palavras pesaram. Alesia não respondeu.

E ele se foi.


-----------É.

E obrigado pela leitura! Quarta-feira começa o capítulo 11, Lena e o Livro!

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