Capítulo cento e quarenta e três.

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Chapter one hundred and forty-three
Porque somos amigos agora ★
{Seattle, Washington}
<Bárbara Sevilla Narrando>

O inevitável e-mail da minha mãe estava lá, na minha caixa de entrada, como uma sombra persistente, e eu sabia que não poderia ignorá-lo para sempre. Mas só pensar em abri-lo já me deixava com uma ansiedade incômoda, crescendo dentro de mim como uma tempestade prestes a desabar.

Desci as escadas, tentando afastar a pressão na minha cabeça, e peguei um pedaço de pizza fria na cozinha. Nem me preocupei em esquentá-la ou usar garfo e faca. Estava faminta, mas era um apetite nervoso, que não acalmava. Comecei a andar de um lado para o outro, mordendo a pizza quase sem sentir o gosto, minha mente um turbilhão de pensamentos.

Victor estava na sala, e não demorou a perceber meu estado. Ele me observava, os olhos seguindo meus movimentos repetitivos, sua confusão evidente.

— Babi, você vai fazer um buraco no chão.

— Cala a boca, me deixa — respondi, sem parar de andar, a irritação transbordando nas minhas palavras.

Ele franziu a testa, visivelmente preocupado, e se aproximou um pouco.

— O que foi? — perguntou, mas eu só murmurei uma resposta ininteligível, incapaz de explicar o que estava acontecendo. — Bárbara, se acalma, pelo amor de Deus.

— Eu tô calma, não dá para ver?! — esbravejei, parando de andar subitamente e cravando os olhos nos dele, desafiando-o a dizer o contrário.

— Claro que dá — ele zombou, um sorriso malicioso brincando em seus lábios.

Revirei os olhos e peguei os guardanapos para limpar as mãos sujas de gordura. O tremor nos meus dedos era quase imperceptível, mas eu sentia, e odiava sentir. Balancei a cabeça, tentando clarear a mente, mas o peso da ansiedade só aumentava.

Fechei os olhos e tentei respirar fundo. "Relaxa, relaxa", repetia para mim mesma. Apertei o pingente do meu colar, uma pequena âncora de segurança. "1, 2, 3, 4, 5..." Mas as contagens logo se desfaziam em desespero. Eu queria gritar, e gritar alto. Liguei e desliguei o celular repetidamente, a tela piscando como um reflexo da minha mente caótica.

— Babi...

— Fica quieto! — gritei, finalmente perdendo o controle, a voz trêmula de frustração.

Victor se aproximou devagar, como se estivesse lidando com uma bomba prestes a explodir. Senti a presença dele antes mesmo de abrir os olhos. O calor que emanava do corpo dele era reconfortante e, ao mesmo tempo, perturbador. Meu coração acelerou, e eu voltei a apertar o pingente com mais força. Quando abri os olhos, ele estava na minha frente, e eu cruzei os braços, tentando me proteger de algo que não conseguia definir.

— Sevilla, o que foi? — Ele falou sério desta vez, o tom firme mas gentil, e algo dentro de mim cedeu um pouco. — Você quer uma água com açúcar?

Ele tocou meu ombro, e o contato enviou uma onda de calor pelo meu corpo, mas eu me afastei, empurrando a mão dele para longe, uma careta automática se formando no meu rosto. Era uma reação instintiva, uma defesa contra a vulnerabilidade que eu tanto temia.

— Minha mãe me mandou um e-mail — expliquei finalmente, com a voz baixa, enquanto me jogava no sofá, exausta. Cada palavra parecia uma confissão, algo que eu não queria admitir nem para mim mesma.

— Ah... tá bom... E o que ela disse?

— Eu não sei, não li o e-mail — confessei, dando de ombros, como se não fosse nada, mas por dentro a culpa e o medo se agitavam.

Victor balançou a cabeça e sentou ao meu lado. Ele não precisava dizer nada para eu saber o que ele estava pensando. Eu sentia a frustração silenciosa dele, a preocupação que ele tentava esconder atrás de um semblante calmo.

— E é por isso que você surtou e tá ansiosa? — ele perguntou, mais uma vez com aquela mistura de curiosidade e compaixão.

— Eu não surtei e nem tô ansiosa. É o meu jeito — retruquei, cruzando os braços novamente, tentando soar firme, mas minha voz traía a incerteza que eu sentia.

— Lá vem você com esse papo de "Eu controlo muito bem meus sentimentos", "Eu não demonstro sentimentalismo, mimimimi". Gatinha, demonstrar sentimento não significa ser vulnerável, ok?! — disse ele, com um toque de sarcasmo, mas havia algo de confortante naquelas palavras, como se ele estivesse tentando me mostrar que tudo bem ser humana, mesmo que eu não quisesse admitir.

— Eu não sou vulnerável — insisti, o orgulho falando mais alto.

— Foi o que eu acabei de dizer, anã gótica — ele respondeu com um sorriso brincalhão, os olhos brilhando com aquela malícia característica. — Olha, se você estiver pronta e quiser, você lê o e-mail. Caso contrário, ignora e bloqueia. Lembra que seu pai te pediu isso? Ele não mandou nada, você não tem obrigação de nada.

Havia uma lógica simples no que ele dizia, mas a lógica nunca funcionou muito bem contra sentimentos complexos. Eu sabia disso, mas ainda assim, sua voz tinha um efeito tranquilizador. Ele se importava, mesmo que eu tentasse disfarçar, e isso mexia comigo de uma forma que eu não conseguia entender.

— Por que você se importa mesmo? — ironizei, tentando esconder a vulnerabilidade por trás do sarcasmo.

— Porque a gente é amigo agora — ele enunciou com seriedade, os olhos fixos nos meus, e por um momento, tudo parou.

— Amigos que se beijam? — perguntei, a voz mais suave, enquanto meus olhos se perdiam nos dele.

— Talvez. E você pode falar se tá brava — ele disse, virando os olhos, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, arrancando uma risada genuína de mim. — Deixa de ser chata.

Antes que eu pudesse responder, ele se inclinou e plantou um beijo suave na minha bochecha. O toque dos lábios dele na minha pele fez meu coração acelerar, um contraste agudo com a tensão que sentia antes. Senti os braços dele ao redor do meu pescoço, e antes que percebesse, minha cabeça estava apoiada no ombro dele. O calor do corpo dele era uma âncora, uma presença sólida que me acalmava.

Ele sorriu, e eu fechei os olhos, finalmente relaxando. Geralmente, eu detestava esse tipo de contato, grude e abraços sempre me deixavam desconfortável. Mas agora... agora eu não me importava. Na verdade, eu queria isso. Queria sentir que, pelo menos por um momento, alguém estava ali para mim, sem expectativas ou julgamentos.

E, por incrível que pareça, estar nos braços de Victor me fazia sentir segura.

case thirty nineOnde histórias criam vida. Descubra agora