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JÚLIA.

30 de setembro, 2023. - 18 semanas.

Mais um dia de consulta. Mais uma vez tendo que lidar com essa novidade, tanto na minha vida pessoal quanto na minha pessoal amorosa.

Gravidez é tudo demais. É hormônios demais, sono demais, cuidado demais, emoções demais. Tudo é extremo. Não há uma linha tênue entre gravidez e calmaria.

Dizem por aí que a calmaria é quando você pega o bebê no colo. Chega a esquecer a dor do parto, a esquecer o mundo lá fora e só foca no pequeno pacote em seus peitos sendo acolhido e recebendo muito amor. Sentindo o calor corporal de quem vai estar ali em todos os momentos da vida; amamentação, primeiro passo, primeiro dente, primeira palavra, primeiro machucado, todos os primeiros existentes na vida de alguém.

Também dizem que ser mãe é tentar dar seu melhor todos os dias e ainda assim errar. É sentir o dobro, um amor que dói e cura na mesma intensidade ou, talvez, que apenas cura onde foi dilacerado, reconstrue tudo aquilo que desabou diante dos seus pés.

Ser mãe é muito mais que só parir. Compreendo isso, a terapia tem me mostrado todas essas lógicas maternas, só que nesse momento eu não consigo me sentir mãe. Minha cabeça ainda não consegue distinguir esse amor materno, por mais que eu tenha dado meu melhor pra evoluir como mulher e geradora de uma vida.

- Cento e novente e sete gramas esse bebezinho está pesando. - minha médica diz. - E está com dezenove centímetros. Tem se desenvolvido bem, isso é ótimo.

- Tem algum lugar que eu possa acompanhar o desenvolvimento do bebê? Eu já ouvi falar, mas não faço nem ideia do que procurar.

- Sim, existe um aplicativo que conta as semanas gestacional, faz comparações de tamanho com certos elementos pra termos uma base, por exemplo, o filho de vocês pode ser comparado a um pimentão.

- E ele já pode se mexer? - pergunta, interessado.

- Sim, normalmente a partir de quatro meses algumas mamães já conseguem sentir vibrações na barriga. São leves de início, mas ainda sim é palpável já que é possível sentir. Importante dar estímulos pra que haja com mais frequência, conversas, tudo...

- Acho que ela ainda não sentiu, né, Júlia?

- Não. - me limito na resposta.

- Normalmente é quando a mãe está relaxada, deitada ou sentada. Quando menos esperar irão sentir.

Lucas vai puxando assuntos sobre isso e eu só presto atenção no monitor. Hoje, se tudo der certo, descobriremos o sexo.

- E a placenta? - pergunto.

- Conforme você me relatou ficou em repouso como esperado, então ainda temos segurança. Sua vida pode voltar aos poucos, mas ainda limitado, tudo bem? As recomendações continuam, nossa prioridade é a saúde desse bebê.

- Então essa coisa de ficar deitada, sem fazer esforços já acabou?

- Não é que acabou, sei que é muito complicado isso de ficar dependendo dos outros e tudo mais, porém vou te dar mais liberdade pra frequentar os lugares que antes você ia, como por exemplo o trabalho, mas seguindo os cuidados: sem esforço. Temos que cuidar e evitar futuras preocupações.

- Tudo bem...

- E vai ser possível descobrir o sexo? - Lucas pergunta.

- Esse neném é super preguiçoso. Não gosta de abrir a perninhas. - a Rebeca diz, me olhando.

- É minha filha, pô. Já sabendo como vai ser, pernas fechadas desde a barriga. - minha vontade agora é de me enfiar em um buraco e não sair mais. A médica solta uma risada bem contida e o Lucas me olha sorrindo. Eu devo estar vermelha de vergonha. - É a verdade, Júlia. Nem precisa ficar com vergonha.

- Caladinho, Lucas. Nem sabemos o que é.

- É menina, já falei. - dá de ombros, pegando o celular no bolso e tirando uma foto do visor.

- Esse papai tá muito convicto. - Rebeca rebate e agora eu quem solto um sorrisinho pra ele.

- Eu nunca erro, Doutora. Minha filha tá vindo aí, logo logo.

- Então a nossa consulta de hoje acaba aqui. Próximo mês temos retorno, mas já sabem: qualquer coisa diferente envia uma mensagem pra poder vir até aqui e saber se tudo está bem.

Levanto e olho pra minha obstetra. Meu coração começa a bater forte no peito, a mão suar, a mente trabalhando sem parar pensando no que fazer.

- Já pode ir, Lucas. Obrigada pelo acompanhamento nessa consulta. - digo, ao seu lado. Ajeitando minha roupa. - Só vou pegar uma vitamina que acabou e ir pra casa.

- Não, eu te espero e acompanho até o carro.

- Pode ir, Lucas. Só vou pegar aqui e ir pra casa, hoje eu vou ficar por lá.

- Então eu vou pedir pra minha mãe ir, já que a sua ficou esses últimos dias com você.

Desde a descoberta do descolamento da placenta eu me tornei alguém dependente total, e isso não foi escolha minha, viu? No dia ele me levou pra casa dele, não deixou eu nem pisar no chão, não foi trabalhar pra poder ficar comigo e, quando não deu mais pra ficar, falou pra mãe dele. Aí já sabe o modo Lucas, aumentou a beça pra mãe e lá vai Júlia aguentar mais um pouco desse cuidado. Aí, quando eu convenci eles que eu estava bem, sem dor, nada, e que eu podia ir pra minha casa, dona Marisa, que é mais exagerada que o filho aumentou ainda mais pra minha mãe, pro Felps e pra Lu e meu irmão.

Se eu deixasse de piscar por um segundo eles já ficavam malucos. Eu vivi verdadeiramente igual rainha, se pisei no chão duas vezes foi muito. Comida e bebida só não era na boca porque eu brigava com eles, caso contrário até isso teria. Já estava me sentindo sufocada com tanto cuidado.

- Não, não precisa. Sua mãe tem que resolver as coisas dela, eu tô bem. Trabalho de casa hoje ainda, então vai ser quase que a mesma coisa dos dias atrás.

- Não sei...

- É sério, confia. - ele suspira e concorda com a cabeça, bem contra gosto. Mas sabe que eu vou brigar pela minha vontade até o fim, que não vou deixar a mãe dele ir pra lá. - Se quiser pode me enviar mensagem o dia todo perguntando, não que já não fizesse isso quando estava com alguém, mas não é pra tirar sua mãe de casa.

- Tá bom, Júlia. Já entendi, sem mãe, sem encher teu saco, sem nada. - concordo com a cabeça. - Então eu vou indo nessa, cuidado!

Despeço e ele olha pra minha barriga que agora está evidente. Ainda não está grande, mas já possui um formato oval.

- Ele já foi? - minha médica pergunta e eu concordo. - Então está aqui o resultado. Parabéns para vocês! Que venha com muita saúde.

- Ai, eu estou sem coragem pra saber...

- Abre, tenho certeza que você vai gostar. - olha pra mim. Minhas mãos estão tremendo olhando pro papel onde contém menino ou menina escrito.

Respiro e desdobro o papel, sentindo meu peito pulsar.

AI MEU DEUS!!!

NASCER DO SOLOnde histórias criam vida. Descubra agora