NASCER DO SOL

136.

JÚLIA.

14 de outubro, 2023. - 20 semanas.

Olho pra cima após encarar o contrato que está em minha frente. Meu peito se aperta e meus olhos se enchem de lágrimas.

- Tem certeza que vai ser assim? - pergunto, folheando o papel.

- Infelizmente tenho, Júlia. - responde, se levantando da cadeira. - Se tu não concordar com algo a gente muda.

1. Após o nascimento, a genitora Júlia Hardel terá contato com o recém nascido até os 3 meses de vida, unicamente para fins da saúde da mesma; amamentação.

2. Após o cumprimento dos 3 meses, terá o repasse do dinheiro de Lucas Ferraz para Júlia Hardel no valor de R$100.000,00.

3. Não haverá nem um tipo de contato íntimo entre Lucas Ferraz e Júlia Hardel, o único será sobre o assunto da gravidez.

....

10. Júlia Hardel não poderá ter contato com a criança após finalizar o ciclo (3) na vida da própria. Evitando conflitos futuros caso tenha interesse em se intitular mãe.

Ler as dez cláusulas me dói. Principalmente a última.

- Por que? Por que disso tudo agora, logo quando eu pensei que seria diferente? - olho pro espaço em branco que aguarda minha assinatura. - Hein, Lucas. Por que?

- Você sempre quis isso, Júlia. Uma vida sem filhos, um corpo perfeito... eu só estou fazendo o que disse.

- Eu não quero mais isso.... Eu quero ser a gente, ser a nossa família.

É a minha única vontade agora. Realmente eu quis aquilo tudo, mas antes de saber o que é estar grávida, de estar gerando uma coisa tão pequena e preciosa dentro de mim. Já sou morada há quatro meses e muita coisa mudou, ainda tem muita coisa para mudar.

- Porra, Júlia, não complica as paradas.

- Eu estou com ódio de você, Lucas. Ódio! - jogo meu cabelo pra trás, respirando fundo demais. - Você diz tanto amar essa gravidez, ela, mas está tratando como se ela fosse um produto. Isso, um produto!

- Presta atenção no que cê tá falando, Júlia. Vou tratatar a MINHA filha como produto?

- Óbvio que sim. É a merda que você está fazendo e propondo agora com esse contrato. - jogo a pasta com as folhas pra cima dele, totalmente alterada. - Cem mil reais é o que vale a gravidez da SUA filha? Sério mesmo?

- Quer mais? É isso? - eu não consigo me controlar. Mas eu tenho que estar calma por essa bebê, a nossa situação é complicada e temos que ter cuidado para que a placenta não descole por completo. - Foi você que tratou ela como nada desde o primeiro dia. Foi você, Júlia!

- Cala a boca, Lucas! Você enlouqueceu foi isso? Eu te falei dias atrás que eu estou gostando da ideia de ser mãe, que eu estava disposta a ficar e você mete no assunto um contrato... No momento mais especial da nossa vida, no momento que pela primeira vez eu tinha me sentido feliz e acolhida pela gravidez.

- Vem com esse papinho agora? Logo quando estamos assim?

- Eu já assumi que errei, que me arrependo de ter reagido daquela forma, era e foi o desespero. Mas tudo muda, tudo é um processo! Aos poucos eu começo a sentir afeto e tudo mais, mas você só me crucifica, ignora toda essa novidade vindo de mim.

- Não é bem assim, Júlia.

- Não? Tem certeza? - pego de volta as folhas e jogo em cima da mesa. - Até um mês atrás você estava me julgando por eu querer ir embora, agora está me julgando por eu querer ficar. A única coisa que você está fazendo é isso: me julgar. Nada está bom para você, nada. Poxa, eu só queria mudar as coisas nesses cinco meses que tem pela frente da gestação, da gente de tornar os pais dela aos poucos.

- Então você não vai assinar? - nego com a cabeça, incrédula.

- E mais uma vez você ignorou tudo que falei.

- Desculpa, Júlia. Caralho, essa situação é péssima, eu não sei pensar direito no que é bom pra nós, eu tenho medo de você abandonar tudo isso, de estar falando todas essas coisas agora e depois se arrepender.

- Você realmente está falando que não confia em mim. É isso?

Apoio na mesa. Estou muito tonta, sentindo um calor absurdo junto a um enjoo.

- Tu não pode se estressar, Júlia.

- Jura?! Você fala isso agora? Logo depois de esfregar na minha cara que não confia em mim, com essa coisa ridícula de contrato, além de....

Vomito tudo no chão. Todo meu almoço sai de dentro de mim por conta do estresse, toda a merda desse enjoo que estou sentindo é por conta desse contrato.

- Quer vomitar mais? Vamos lavar a boca...

- Me solta, Lucas. - retiro a mão dele do meu cabelo, desviando de seu toque e fazendo um nó. - Que merda...

A ânsia me atinge mais uma vez. Mas dessa vez eu não vomito novamente, eu só procuro um ar. Na mesma hora a porta do escritório do Lucas é aberta e meu irmão aparece aqui.

- Júlia, o que foi? Tá passando mal?

- Foi um enjoo repentino, não deu pra segurar... Tô bem.

Mentira. Eu estou tonta e devastada por dentro.

- Pega essa água aqui, Júlia. - Lucas me estende o copo e eu nego. Se eu beber provavelmente vomitarei mais. - Quer ir pra um hospital?

- Não, Lucas. Eu estou bem. - nego, indo pra um banheiro e lavando a boca. - Você me leva pra casa, Caio? Se não tiver fazendo nada...

- Hm, levo. Mas tem certeza que não quer ir pro hospital?

- Tenho, é enjoo apenas. Normal na gravidez.

Já tem uma mulher limpando toda a sujeira que fiz. Só que minha visão tá escura e o enjoo continua. O Lucas está me observando do outro canto da sua sala, perto da porta.

Olho pro contrato na mesa e eu fecho ele, sentindo vontade de rasga-lo pedacinho por pedacinho. O Caio pega a minha bolsa e vai saindo da sala, o Lucas não diz nada só acompanha meus movimentos.

Já no carro e de olhos fechados eu sinto o meu irmão pegar na minha mão e alisar ela pra me acalmar. Quando eu abro meus olhos vejo ele olhar de relance pra minha barriga, no qual eu levo sua mão até ela.

- Ainda não se mexe... Mas sabia que é uma menininha?

- Sério...? - solta um sorriso enquanto alisa minha barriga. Todas as vezes que encostam na minha barriga um arrepio sobe em meu corpo. - Tá vindo uma princesinha.

- Sim, vem uma garotinha pra fazer vocês felizes.

- Você também, Julinha. Ela ainda vai te fazer muito feliz.

- Eu não sei mais. Mas quero que sim, eu só não sei ele...