Capítulo 71, parte IV

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AVISO:

Esse capítulo contém cenas de transtorno de ansiedade e pânico.

Se este assunto é um possível gatilho, o post de hoje NÃO é adequado para você. Espere pelo capítulo 72.

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De alguma forma, sentia como se sua alma estivesse desconectada do corpo físico, e não tivesse força suficiente para tirá-lo do chão.

Tentou levantar o braço, mas tudo em si parecia pesar, ela estava pesada. A mão esbarrou na maçaneta e caiu novamente ao lado do corpo.

O raspão, entretanto, ligara um alerta dentro de si, uma tentativa de reagir à crise que a segurava no chão.

As palavras surgiram fracas, baixas, lutando contra algo que parecia imensamente maior do que ela. Tentava pensar. Ela precisava pensar.

Dulce= Preciso sair daqui. – engoliu com dificuldade, queria falar. – Cinco, cinco... cinco coisas que eu posso ver. – olhou ao redor. – Posso ver... uma maçaneta... pia... – esforçou-se para manter os olhos abertos. – Lâmpada... – contava nos dedos. – Janela... bolsa. – encarou a mão, havia chegado ao número cinco. – Quatro coisas para ouvir... para ouvir... – fechou os olhos. – São sons... sons... sons... para ouvir.

Concentrou-se nos ruídos ao redor: na água que pingava na torneira, nos passos do corredor, na respiração descompassada que tinha, no tic e tac do relógio. Respirou fundo diante do último som.

Dulce= Três coisas para tocar. – abriu os olhos. – Três coisas... – negou com a cabeça, lutava contra as defesas do próprio corpo. – Três coisas... para tocar... três coisas para tocar.

Puxou a bolsa para o seu colo e a segurou com firmeza, apertando os dedos pelo couro sintético, concentrou-se na sensação que aquilo lhe dava. Subiu a mão direita até a maçaneta da porta, sentiu o choque da pele com o material frio.

Ajoelhou-se e levou a mão até a pia de mármore, sentindo o resquício de água que ficara sobre a superfície.

Respirou fundo mais uma vez, o coração parecia mais calmo. Levantou-se do chão, as pernas reuniam alguma porcentagem, ainda que pequena, de força. Então encarou-se no espelho e rapidamente perdeu a coragem, negando seguidas vezes com a cabeça. Seus olhos estavam manchados pelo rímel que escorrera, os cílios molhados e a área ao redor começava a inchar pelo choro descontrolado.

Jogou os testes dentro da bolsa e colocou os óculos escuros no rosto, ela precisava sair dali.

Dulce= Dois cheiros... dois cheiros... duas coisas... – saiu do banheiro, precisava chegar ao fim daquela conta. – Duas...

Parou de falar ao sentir o cheiro da carne no prato da mesa do casal, e logo o garçom passou por ela, fazendo-a inalar o arroz fresco em cima da bandeja.

Dulce ficou ali, parada por alguns segundos, atentando-se a cada um dos aromas, até que o coração estivesse calmo e ela reunisse coragem para voltar a andar.

Precisava encontrar um sabor. Abriu a bolsa e puxou o chiclete, o gosto da canela a fizera acordar por completo para as sensações. O frescor imediato, a textura levemente áspera da goma contra sua língua, o sabor acentuado de canela.

Conseguiu sair do restaurante. Entretanto, seus pés pareciam não conseguir guiá-la a um lugar específico.

Ela deu a primeira volta ao redor do prédio, e logo a segunda e a terceira.

Caminhava sem pressa, com a mirada perdida, mas os olhos observando tudo, ainda que pouco entendesse ou decorasse; ela não conseguia parar.

Na quarta volta, enquanto ainda caminhava, seus dedos puderam fazer a ligação para a psicóloga; ela precisava de ajuda ou não sairia daquele ciclo de ansiedade.

Jogada PerfeitaOnde histórias criam vida. Descubra agora