Súbita consciência

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Estavam na mesa quando aconteceu de novo.

Uma sala de jantar bonita, com cortinas oscilantes e frio da noite. Ainda naquele castelo maldito.

Estava acostumada com o frio de Velaris, mas aquilo era diferente. Sem vida, fosco.

A mesa estava posta para dois, taças de vinho ao lado dos pratos afrodisíacos.

Fazia muito tempo desde a última vez em que ele tinha dado sinal de vida.

Mas ela seguia com o veneno. Testá-lo no maior espião dos mundos garantiu a vidente de que o maior o vilão do mundo jamais desconfiasse de suas intenções.

Ele tomou um gole do líquido bordô. Estava calado naquela noite.

Engolindo o nervosismo, ela tomou um gole também.

— Você vai sair amanhã? — indagou a jovem.

O vinho desceu amargo como a sua necessidade de mostrar interesse.

O silêncio pairou. Normalmente, ela evitaria contato visual com ele.

Mas aquele silêncio veio com algo muito importante.

Um pressentimento.

Um cheiro.

Um suspiro engasgado.

Ela fixou o olhar na mão trêmula dele, enquanto deixava a taça em cima da mesa. O deus sombrio jamais tremia. Seu coração disparou.

A vidente se preparou, erguendo a cabeça.

A primeira coisa que viu foram os olhos assustados. Verdes, como as gramas da primavera.

Não mais escuros.

Ele umedeceu os lábios, choque estampado ali.

— Elain — o nome foi baixo, rouco.

Não havia a crueldade de Aengus, tampouco uma intensidade acalorada. Só vazio e tristeza e amargura.

Endireitando a espinha, ela se sentou mais ereta, segurando o olhar dele.

Tamlin.

Ele fez que sim com a cabeça.

— Como se sente? — Ela perguntou.

Tamlin arrastou a cadeira, que rangeu contra o piso de mármore, e se levantou.

— Eu...— Ele passou a mão no rosto, tristeza jazia ali. Intensa e voraz.

Elain se levantou também.

— Aengus está levantando um exército que disseminará a todos — contou ela, não muito certa de que deveria.

Mas Aengus era forte o suficiente para que o veneno a deixasse poucas alternativas. E pouco tempo com Tamlin.

— Porra — xingou ele, com um rosnado lhe cortando a garganta. — Quanto tempo?

— Três meses até que ele ataque. — Até que Feyre desse a luz também.

Ele se virou para ela, seu olhar caminhando pelo corpo da jovem.

— Vai me pedir que eu aguente de novo? — perguntou. — Vai me pedir...— ele parou, incapaz de continuar a frase.

— Vou pedir que aguente, sim. — Sua voz saiu mais firme do que imaginou que iria.

Tamlin deu um passo em sua direção. A consciência da fêmea se expandiu e ela sentiu aquele cheiro de primavera do macho que praticamente destruiu sua irmã.

Ela deveria o odiar ao invés de sentir compaixão. Mas compaixão era tudo que tinha. Talvez algo mais inconstante do que isso.

— Quero salvar sua vida, Tamlin — revelou ela, fechando os dedos sobre as palmas. — Quero que tenha forças para lutar quando a hora chegar.

Ele relutou, contraindo a mandíbula.

— Por quê?

— Porque deve ser feito.

Desconfiado, o macho disse:

— Eu não recebo nada além dessa informação? — A agonia brilhou em seus olhos.

Elain sabia que o tempo dos dois estava se esgotando. Que o tempo de todos estava.

— É tudo que posso oferecer, por enquanto. — Ninguém suportaria as verdades que ela sabia. Ninguém.

Dando um passo à frente, a jovem entrelaçou os dedos aos dele. Foi quase involuntário, e o bastante para que o macho unisse as sobrancelhas em confusão. Um formigar característico pinicou sua pele.

— Apenas acredite em mim. — Ela manteve seu olhar no dele mesmo depois de se afastar, mesmo depois de voltar para seu lugar a mesa.

Mesmo depois que Tamlin se sentou.

E até...que o verde fosse substituído pelo preto eterno e profundo.

***

Bônus de hoje, amores! Finalmente consegui trazer um. Até ;) 

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora