O conto do illyriano

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— Quando eu era criança...— começou ele —...as coisas eram muito diferentes para mim.

A postura de Az estava tão sombria quanto uma noite sem estrelas. Fosse o que fosse, Fenrys tinha certeza de que não iria gostar. Sentia como se estivesse começando a ser pressionado por uma prensa. A hesitação de Az era tão certa quanto o dia que se esvaía à Oeste.

— Hey — interrompeu ele — não se esqueça que eu fui o cachorrinho de uma tirana por séculos. Não há nada que possa contar que me assuste ou me faça gostar menos de você — garantiu o lobo.

Az pareceu confuso e ele sabia que uma hora teria que contar sobre Maeve, Connall e Vaughan. Sentiu-se doente só de pensar nisso.

— É que... — ele engoliu audivelmente — essa parte do meu passado ainda me assombra.

— Bom, não precisa contar se não quiser — disparou Fenrys, com a voz tão baixa e rouca que se surpreendeu.

— Não, eu quero e preciso — Az soltou o ar, encarando as mãos com afinco. — Nem sempre eu fui um macho respeitado. Nasci um bastardo, meu pai já era casado e tinha dois filhos. Meus meios-irmãos eram tão agradáveis quanto a mãe deles. Ela jamais me aceitou, então — ele franziu a testa, como se voltasse para lembranças dolorosas — a minha punição por ter nascido era ficar trancafiado em uma cela, sem luz do sol. Fui privado de todos de realizar meus mais míseros instintos illyrianos, como voar, por exemplo.

Cela? Escuridão? Proibido de voar? Que tipo de animais essas pessoas eram? A garganta de Fenrys se apertou tanto que se sentou ereto, desencostando da cabeceira. Az, inclusive, desviou o olhar para ele ao ver que fez isso.

— Mas e a sua mãe? — Indagou Fenrys, após uma pausa.

Az deu uma risada arrastada. Ele encarava as mãos com muita determinação.

— Eles só me deixavam vê-la uma hora por semana, o que também era o tempo em que eu podia sair da cela por dia. Fora isso, eu vivia na total escuridão. — O amargor em seus olhos âmbar tomou uma tonalidade intensa. — Por um lado, as trevas daqueles longos anos de minha vida fizeram com que meu dom de encantar as sombras se revelasse. Também, depois de tantos anos, minhas únicas companheiras tinham de servir para alguma coisa. As sombras eram tudo que eu tinha.

Fenrys a pressão das lágrimas na garganta. Não podia acreditar que uma criança tivesse obrigada a suportar isso. Minha punição por ter nascido, ele dissera.

— Az, eu sinto tanto... — disse ele, arrastando-se mais para frente. Az parecia atento a cada um de seus movimentos.

— Não sinta. Está tudo bem — respondeu ele, baixinho, limpando a garganta.

— Não, não está. — Interveio Fenrys, sentindo o ódio sair por suas palavras. — Seu pai ainda está vivo?

Naquele momento, o mestre-espião o encarou. Por longos minutos, ao que parecera, apenas olharam um para o outro. Fenrys, cujos olhos tinha certeza estarem marejando, observou com atenção o movimento inquieto das mãos de Az, o leve tremor delas, a maneira como o illyriano tinha os olhos irritados e vermelhos, piscando repetidas vezes. Jamais pensou na ideia de vê-lo chorando, mas assim que o fez, odiou cada segundo. Percebeu ali, enquanto olhava para o macho que mal conhecia, que daria seu próprio coração se fosse possível, para impedir que Az sofresse mais.

— Por que quer saber? — Disse Az, depois de uma pausa.

Uma risada amarga saiu da garganta de Fenrys. Pela maneira como o illyriano o encarava, sabia que ódio visceral brilhava em seus olhos castanhos.

— Para eu caçá-lo e matá-lo bem lentamente — respondeu, sem delongas.

Ele riu, algo que não chegou aos olhos.

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora