Helion não conseguiu dormir. Pela primeira vez em séculos, algo finalmente havia tirado seu sono. O fato de não estar em sua cama também não ajudava em nada. Foi por isso que ele saiu do quarto e estava, naquele momento, na enorme varanda da Casa do Vento, sentado a uma poltrona, conforme observava o sol sumir a Oeste.
Pensou em todos os livros que tratava sobre a criação dos feéricos, mas precisaria de muito mais do que apenas consultar os arquivos de suas memórias. Precisaria ir para casa, onde seus livros estavam. Com certeza também precisava conversar com Amren, mas a feérica partiu para seu apartamento sem nem ao menos dizer adeus.
A brisa fresca vinda das montanhas misturava-se a natural queda de temperatura noturna. O pôr-do-sol de onde estava era realmente magnífico. Não como na Corte Crepuscular, mas era. Os tons rosados misturavam-se ao laranja intenso e quente. O céu desbotava aos poucos.
— Admirando a paisagem? — indagou uma voz atrás dele.
Não precisou olhar para saber de quem se tratava. Lucien.
O macho entrou em seu campo de visão segundos depois, as mãos para trás do corpo de maneira casual. Ele passou por Helion, delineado pela pouca luz. Mais uma vez, viu-se tentando lembrar de onde vinha aquela familiaridade. Sua pele morena era dois tons a menos da de Helion, o que contrastava com os seus demais irmãos pálidos e apáticos.
— É o que me resta depois de ontem — respondeu Helion, sem tirar os olhos dele.
Lucien, ao contrário, fitava a paisagem, de costas para ele. Por cima do ombro, o macho da Outonal deu um sorriso abafado.
— Quer dizer depois da confusão que você gerou?
Helion fez um som de ofendido.
— Eu não trataria dessa forma — disse, contemplando Lucien, enquanto seus dedos delineavam os lábios, como sempre fazia quando estava pensativo. — Digamos que eu quis dar um empurrãozinho em Azriel.
Lucien deu uma meia virada, unindo as sobrancelhas ruivas.
— Desde quando se importa ao que acontece com o Círculo Íntimo de Rhysand e Feyre? — O humor da raposa era ácido.
O Grão-Senhor apreciou aquilo, fingindo procurar ao redor.
— Eu não vejo Azriel e Fenrys aqui, você vê? — Ele riu maldosamente. — Certamente eles estão em melhores situações do que nós dois.
— Você é promíscuo.
Helion gargalhou.
— Falou o virgem — debochou ele. O olho dourado e mecânico de Lucien se moveu junto ao avermelhado quando ele os revirou. — Somos feéricos. Nossa natureza é mais selvagem e instintiva. Por isso nós temos parceiros e os humanos não.
— Já teve uma parceira ou parceiro? — indagou o macho, com uma curiosidade muito bem regrada.
— Não — respondeu. — Acho que a Mãe conhece esse filho aqui para saber que ele não deveria se apegar dessa forma.
Lucien xingou.
— Não fale da Mãe agora, pelo amor... — limpou a garganta, claramente tentando pensar no que poderia dizer sem que fosse "Pelo amor da Mãe" ou "Pelo amor do Caldeirão". "Pelos deuses", como diziam os estrangeiros, também não seria sábio, considerando que Bride era uma divindade. —...esquece — acrescentou, por fim.
Helion sabia que não deveria se meter, mas a pergunta calculada saiu antes que pudesse se conter.
— Quem é seu pai, garoto? — indagou ele.
O mais gentil dos filhos da Outonal, diferente de todas as formas...alguma coisa não se encaixava na cabeça de Helion. Lucien se virou de verdade para ele, o semblante impassível. Parecia chamas e sol.
— Como "quem é meu pai"? Acho que está cansado de saber isso, Helion — respondeu, rispidamente.
Ele semicerrou os olhos para Lucien.
— Por que está na defensiva? Foi apenas uma pergunta — argumentou.
O macho deu um passo à frente.
— O que está sugerindo? Que a minha mãe dorme com qualquer um? — Ele parecia furioso.
Os lábios de Helion se entreabriram cinicamente.
— Qualquer um não — interveio ele, deliciando-se em deixar a dúvida na cabeça de Lucien. — Sua mãe é uma fêmea de bom gosto — ele olhou para o céu, mordendo o lábio inferior —, algumas vezes.
Lucien rosnou.
— Lave a boca para falar de minha mãe — retrucou, irritado.
Helion se levantou da poltrona e caminhou até o macho, parando a três passos dele. Sério, encarou Lucien por longos segundos antes de dizer:
— Eu amava sua mãe. Não era minha intenção te fazer pensar que eu a queria insultar, garoto.
Lucien tossiu, ao engasgar com o que parecia ser a própria saliva.
— Você e... — ele engoliu em seco, vermelho e enojado — ...minha mãe?
Havia uma decepção mesclada a curiosidade estampando o rosto da raposa.
— Um segredo nosso, Lucien — advertiu, piscando para o macho ao dar meia volta e se sentar de novo. — Tenho muito apreço por ela.
Lucien sacudiu a cabeça, virando-se de novo para a paisagem. Seus cabelos lisos, longos e vermelhos como as cores do outono, farfalharam ao pouco vento. Ambos ficaram em silêncio por um bom tempo, não havia razão para conversar. Não eram amigos, afinal.
— Você a fez feliz? — indagou o macho, depois de um tempo. Seu tom não era mais alto que um sussurro.
Helion emitiu um estalo com a língua. Flashes piscaram em suas pálpebras cansadas. A risada dela era algo que jamais esqueceria.
— Gosto de pensar que sim — falou, igualmente baixo, sentindo a nostalgia invadi-lo. O gosto dela ainda vinha em sua boca.
Lucien se virou para ele.
— Isso que importa, então — ele deu um leve aceno com a cabeça. — Se me der licença.
Assim, o macho da Outonal passou por ele, seguindo em direção as portas de vidro da sala de estar. Helion permaneceu ali, a cabeça latejando. Desejou que a clarividência tomasse seus sentidos, mas tudo que conseguia pensar era: Chamas e Sol.
***
Bônus de hoje, corações de fogo. Até quarta! ;)
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Corte de Fogo e Gelo
FanfictionE se Aelin Galathynius e cia visitassem a Corte Noturna? E se, após longos anos de desconhecimento e guerra em seus mundos, ambos descobrissem que habitam continentes no mesmo oceano? E se, em um belo dia, o tão aguardado encontro entre o mundo de T...