Interlúdio- parte II

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O lobo branco sentia como se pairasse acima do próprio corpo. Não havia palavras ou pensamentos que expressassem o buraco dentro de seu peito. Por esta razão, ele saltou da Casa do Vento, para as extensas planícies que separavam Velaris do mar aberto. E, era onde estava agora, e onde esteve por mais tempo que pudesse contar.

Tinha perdido a noção do tempo. Quando estava em sua forma de lobo, era extremamente fácil. Especialmente na situação em que se encontrava.

Ele não falava ou pensava naquele nome há pelo menos três dias. Se pensasse, o desespero o atingiria novamente, e não gostaria de voltar ao que sentiu no momento em que o viu levantar voo e fugir.

Fugir de Fenrys.

Como tudo que ele já amou.

O buraco em seu peito latejou, então ele aumentou a velocidade nas patas, impulsionando para frente. Sempre em frente, ainda que nunca fosse o suficiente.

Nem mesmo ele sabia onde queria ir. Já tinha percorrido toda a costa Oeste, depois, saltara para a Leste.

Não conseguia se recordar da última vez em que comera. Deveria ter sido na Casa do Vento, ou algum animal da floresta nos poucos momentos em que voltou ao seu corpo feérico.

Não que se importasse.

Sentindo o vento e a brisa marítima, Fenrys focou no que podia ser feito agora. Isto é, observar a bela paisagem, que aos poucos, se tornava mais melancólica.

Com a ida do inverno, estavam no primeiro mês da primavera. Flores roxas e rosa-claro serpenteavam pelas planícies curvilíneas, onde a vegetação rasteira era de um verde desbotado.

Caso virasse a cabeça, conseguiria ver Velaris, como um pontinho em meio as montanhas, escuras e com uma leve camada de neve. Sempre buscava correr um tanto distante do rio, assim, evitando ser visto. Pois, embora a vegetação fosse rasteira de longe, ele poderia facilmente se esconder por entre os altos capins que ali cresciam.

O barulho do mar se tornava cada vez mais audível e não muito à frente, havia uma bifurcação. Uma descida, que provavelmente circundava o penhasco em direção à praia e uma elevação, em meio a montes rochosos. Havia uma estrada gramada seguindo por ali.

E foi para lá que Fenrys seguiu.

O vento era gelado e forte; olhando para o céu, notou que não demoraria muito até que chovesse. O tempo estava fechado, as nuvens se acumulavam em um cinza intenso.

Fenrys apertou a corrida, subindo a estrada desigual, virando algumas curvas rochosas.

Seu peito se apertou, o arfar foi longo e profundo quando passou em um último corredor rochoso, irrompendo em um local completamente inusitado.

Estava diante de uma extensão de grama baixa, com uma vista belíssima do mar adiante, que cortava a linha do horizonte. O tom das águas, bem como sua correnteza, condizia bastante à cor do céu de tempestade, com um cinza azulado. Atrás dele, mais uma parede de rochas, que delimitava toda a área semicircular de grama.

E ali, bem no centro, havia uma casa de veraneio, feita de madeira lustrosa, com uma aconchegante varanda. Ela tinha grandes janelas de vidro, o que o possibilitou de olhar para dentro.

Na janela em que via, era a sala de estar, que parecia ser praticamente a casa inteira.

Havia uma lareira elegante, tapetes felpudos, uma mesa de jantar redonda e pequena, próxima a janela em que olhava, e sofás ao redor da lareira apagada.

De quem será que era aquela casa?

Fenrys achou melhor não espionar mais, pois não é como se fosse entrar ali para se proteger da tempestade. Poderia facilmente entrar, duvidava que estivesse trancado, considerando que era no meio do nada, à beira de um penhasco, escondida dos olhos curiosos.

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora