Esta vulnerabilidade

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Apoiando-se em uma viga de aço liso na sala de treinamento da Casa do Vento, as mãos envoltas de uma faixa branca, Cassian começou a se impulsionar para cima. Sentiu os músculos tensionarem conforme fazia o exercício. Controlando a respiração, ele uniu os calcanhares, os joelhos dobrados sem encostar no chão e fez uma série. Depois outra. Então, começou a fazer o mesmo exercício com apenas um dos braços. Era bom sentir os músculos queimando, pois era como se estivesse no controle de alguma coisa.

Ele olhava para o espaço aberto, onde o céu começava a clarear.

Quando amanhecesse o dia, Nestha Archeron passaria por aquela porta, para treinar com ele. Tentou não pensar muito nisso.
Começou a fazer o exercício com o outro braço quando os raios de sol começaram a irromper das montanhas.

O ar fresco da manhã atingiu seu corpo suado, fazendo-o estremecer. Ele estava de costas para a porta. De nada adiantava encarar como um idiota. Esperando por ela.
Saltando de pé no tatame, ele levou a camiseta longa até a altura do rosto, para limpar o suor que escorria.

Passos ecoaram.

Pararam na soleira.

O corpo de Cass enrijeceu. Ele soltou a blusa, aprumou as asas junto ao corpo, e virou.
Foi a coisa mais linda que já viu.
Ela, naquelas roupas de treino.
Uma faixa branca envolvia seus seios firmemente, os dando evidência. Ela usava calças largas, pretas, na altura da cintura. Seu torso, em grande parte descoberto, se não pela faixa.

Os cabelos presos em uma faixa de couro, com um coque alto.

Seus lábios rosados estavam inclinados em um tom maldoso.

— Você veio — começou ele, com humor ácido.
Ela avançou pela sala.

— Parece surpreso — replicou.

— E estou surpreso que esteja disposta a suar a esta hora da manhã.

O sol bateu nela. Seus cabelos pareciam ouro líquido. Os olhos com um brilho gélido pareciam queimar, os cílios transparentes, fazendo sombras nas maçãs do rosto acentuadas. Os contornos finos do rosto marcados. A volta dos seios também.
Que o Caldeirão o ajudasse.
Ou melhor, que não ajudasse, considerando que Nestha fora feita por ele.

Cassian se limitou a dizer:

— Tire as botas. Suba no tatame.

Se ele não tratasse aquilo dessa forma, se não se concentrasse no treino, ele travaria, babando nela, se odiando por isso. Porque doía. Apenas por lembrar da última vez, doía.
Nestha obedeceu, tirando as botas rapidamente, os olhos grudados nos dele de maneira hipnotizante.
Com um movimento fluido, ela passou por entre as cordas do tatame, o corpo esguio se empertigou, de um modo que mesmo mais baixa que ele, parecia que ela o olhava por cima.
Ele não demonstrou o quanto ela mexia com ele naquele momento.

— E agora?

Cassian esticou a mão para a corda próxima a ele e pegou duas longas fitas, depois, a estendeu para Nestha.

— Enrole nas mãos.

Mas ela olhou para as fitas, para Cassian, depois, estendeu as duas mãos para ele.

— Coloque você.

Essa era a forma de Nestha de pedir que ele o fizesse.
Segurando a mão direita dela, a pele fina e sem calos, prendeu forte a fita e começou enrolá-la, protegendo os ossos da mão. Rapidamente, migrou para a outra mão, ciente que os olhos dela o fitavam, mas ele não os levantou enquanto terminava de prender a fita e se afastava dela.

— Então vamos pelo básico. O que você sabe de defesa pessoal?

Ela pensou. Depois, deu de ombros.

Cassian riu.

— Foi o que pensei.

Ele deu meia volta, pegou espumas de mão e prendeu em suas palmas, posicionando-as na altura do peito, para Nestha.

— Soque — disse ele, com a garganta seca. — Com toda força que tiver.

Estranhamente, ela obedeceu e socou. Uma vez, tão fraco que a mão de Cassian sequer saiu do lugar. Mas algo brilhava nos olhos dela, como se visse seus inimigos e medos, todos dispostos naqueles alvos nas mãos de Cassian.

Nestha socou.

De novo, de novo e de novo.

E mais, mais e mais.

— Nestha — chamou ele.

Mas ela prosseguiu. Desta vez, as mãos de Cassian recuavam com o impacto. Não era forte, mas era o bastante. O ódio era um motivador excelente.

Nestha.

Parecia um tipo de transe. O olhar fixo e vítreo.

Ela arfava.

A preocupação o fez esquecer do ressentimento, da tristeza, de tudo. Ele tirou as mãos da direção do socos, eles atingiram diretamente seu peito. Cass soltou os alvos de espuma e segurou Nestha pelos punhos.

— Nestha! — ele elevou a voz. A fêmea encarava suas mãos imobilizadas, depois o peito de Cassian, que subia e descia sem o mínimo sentido ou ritmo. — Olhe para mim — ousou pedir, agora com a voz baixa como um sussurro.

Pareceu uma eternidade. Ela não erguia o olhar.
Por mais de um minuto, ela não fez nada.
Então, quando se dignou a levantar a cabeça, sua expressão estava incrivelmente...frágil.
Frágil mesmo, como uma leoa ferida pelos seus.

Desconfiada, assustada, cansada.

Atendendo a cota, mais um pedaço do coração de Cassian rachou. Ele jurava que podia sentir isso acontecendo. Só que desta vez, não fora ela que fizera. Seu peito não doía por alguma atitude dela, mas por ela. Pelo que ele viu, naquele mísero segundo em que a máscara caiu e a vulnerabilidade se fez visível. E ele entendeu o porque do treino. Da necessidade de melhorar.
Ela tentou soltar o pulso no segundo seguinte, a expressão se tornando dura, os olhos secos e distantes de novo, como se nada tivesse acontecido.

— Você não tem força nos músculos — disse ele, o calor da pele fina do pulso dela ainda nas suas palmas. — Precisamos fortalece-los antes de eu te ensinar qualquer coisa.

E abriu os dedos, libertando os pulsos dela, que deu um passo para trás. Sentiu que aquilo poderia ser mesmo um tapa na cara.

— Pode ser — concordou ela, entredentes. Orgulhosa até o fim.

Cassian respirou fundo.

— Não vamos parar até que você esteja foda e me supere — não sabia muito bem porque aquilo saiu de sua boca. Talvez instinto, ou por achar que era o que ela precisaria ouvir. Porque no fundo daquela máscara, havia uma vulnerabilidade. E pela primeira vez, Nestha deixou que ele visse. Deixou que visse.

E Cassian ajudaria como pudesse.

Por ela.

Sempre por ela.

***

Bônus de hoje, Nessian lovers! Até amanhã :)

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora