Capítulo 62- À espreita

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A noite parecia um holofote sobre a pele moreno-bronzeada do machinho. Luzes vindas das estrelas o iluminavam em seu sono exausto e profundo. Havia uma bota surrada entre as duas camas, juntamente com a cesta de comida que Az o dera.

Ele jamais sentiu tamanho amor por uma criança. Era estranho e assustador. Acolhedor e terno. Confuso e bem-vindo.

A visão toda o era. Aquele quarto, o machinho dormindo na cama que costumava ser de Rhys, Fenrys encarando Aaron com fascínio e amor à beira da cama, como se temesse dar mais um passo e correr o risco de acordá-lo.

Sempre que Az pensava no quanto sua vida mudara nos últimos dois meses, jamais pensou que seria de boa para extraordinária.

Ele tinha Fenrys e...Aaron, se ele assim o quisesse.

O parceiro estava banhado pelo mesmo brilho de estrelas. Fios prateados misturando ao brilho dourado que ele sempre emitia aos olhos de Az.

Ainda era difícil processar o que vira e a julgar pelo fundo de preocupação e imediatismo das atitudes de Fen, muito mais aconteceu naquela visão de futuro dele. Muito mais. E Az tinha certeza que não era boa coisa. Sua garganta se espremia diante do pressentimento ruim que o atravessava.

Obrigando-se a afastar estes pensamentos, focou no machinho adormecido, em sua inocência infantil e no quanto ele sofrera sozinho até aquele momento. Mas agora bastava. Não mais. E Az não hesitaria.

Suas sombras — antes mudas devido ao esgotamento — lhe sussurravam coisas, e aquilo pareceu atiçar alguma coisa em nas de Aaron. Ou na "fumaça", como o machinho costumava dizer.

Era difícil também não pensar na agonia que seria temer pelo garoto caso tudo desse errado. Já não bastava o pavor em pensar em Fenrys no campo de batalha, por mais letal e poderoso que o parceiro fosse.

Ele deu um passo para trás e tocou a mão de Az, libertando-o dos devaneios que certamente o impediriam de dormir, por mais exausto que estivesse.

É incrível como não precisamos procurar muito, falou o parceiro com orgulho, através do laço. Aaron veio até nós. Ele veio até nós, Az.

O alívio era perceptível em sua voz.

Mais uma vez, as sombras se intensificaram e se agitaram ao redor de Aaron. Az não conseguia entendê-las, bem como não entendia as de Vaughan. Os encantadores, apesar de abençoados com os poderes da escuridão, não conseguiam ouvir as sombras um dos outros, apenas senti-las, pois eram da mesma composição, do mesmo núcleo.

Az poderia tê-las usado mais cedo na busca por Aaron, mas as sombras dele estavam silenciosas e ele não dormia há 48 horas. Seria bem arriscado cair em coma de exaustão e chegava de o afastarem de Fenrys assim.

Ele é nosso filho, constatou Az, encarando os olhos escuros do parceiro e passando por ele para se aproximar da cama. Ele nasceu para ser nosso. Nosso filho.

O mais belo dos sorrisos se esboçou em Fenrys quando Az se ajoelhou silenciosamente ao lado da cama.

Aquilo agitou ainda mais os espirais sombrios ao redor do garoto. Elas sussurravam algo frenético. Se pudesse apostar, diria que falavam: Acorde! Acorde!

O menino enrugou os olhos, como se estivesse tendo um pesadelo. Sua delicada pele infantil com bochechas cheias estava rosada. Aaron emitiu um resmungo baixo.

— Aaron — murmurou Fenrys, aflito.

Novamente, o machinho tornou a fazer caretas enquanto dormia. As sombras espiralavam loucamente, atiçando as de Az igualmente.

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora