Interlúdio

5.6K 504 318
                                    

Fenrys deitou-se na cama, apoiando uma garrafa de vinho em seu torso, e olhou para a porta do quarto. Não havia muita razão de olhar, havia? Não além da inegável vontade de sair procurando por Azriel. Ele deu uma golada no vinho seco, praguejando porque estava quase no fim da garrafa. Da janela do quarto, ele tinha uma vista agradável para as altas montanhas da Corte Noturna e era bom desfrutar do silêncio da noite e daquela paz, que há muito não tinha inteiramente.

Seus pensamentos vagavam por entre séculos de luta, sofrimento, escravidão e glória, buscando relatos de quando ele havia perdido o controle por conta de um macho ou de uma fêmea. Nada parecia se comparar ao que ele tinha feito há algumas horas. Flertar, tão abertamente e tão desesperadamente, como se fosse algo essencial para viver. Que tipo de feitiço o encantador de sombras poderia ter colocado nele?

Mais uma vez, ele levou a garrafa na boca. A janela de seu quarto estava aberta e ele estava nu, em cima dos lençóis de seda da cama de casal, pronto para dormir. Para ele, não havia nada mais confortável para dormir do que não usar absolutamente nada. Um vento frio passou, vindo das montanhas, balançando as cortinas de seu quarto. Fenrys tirou os olhos da porta e virou para a direita, encarando a grande janela de vidro, quando notou alguma coisa.

Rapidamente, ele se sentou na cama, enrolando um lençol no quadril e caminhando até a janela. Seu corpo estremeceu, mas não por causa do vento. Em cima de um dos telhados abaixo do quarto de Fenrys, estava Azriel, envolto do luar e das sombras que sussurravam para ele. Fenrys daria tudo para saber o que elas diziam para ele e se elas falavam dele. Mas que bobagem, não? Ele o conhecia há o que? Menos de um dia.

Para seu espanto, Azriel olhava para sua janela, tão impassível que Fenrys teve de lutar para não saltar até ele. Balançando a cabeça e olhando para o parapeito da janela, ele soltou o ar. As mãos estavam tão grudadas na mesma que ele sentia a madeira ranger em seus dedos. Quando ele levantou os olhos de novo, Azriel não estava mais lá.

— Macho estúpido — resmungou Fenrys.

Então, ele ouviu. Uma presença, um cheiro...vento que trazia a chuva, o aroma das montanhas cobertas de neve.

— A quem está chamando de estúpido? — Respondeu a voz atrás dele.

O coração de Fenrys martelou no peito. Ele se virou tão dolorosamente devagar, torcendo para que aquela voz não fosse efeito do álcool que ingeriu durante horas a fio. Encostando-se na janela, ele viu Azriel, em frente a sua cama. Parado, calmo, inexpressivo. As palmas das mãos de Fenrys seguraram mais o parapeito e ele se sentiu grato pelo vento gélido que batia em suas costas quentes como lava. Engolindo a bile, Fenrys sorriu cinicamente para o macho.

— Humm, deixe-me ver — começou ele, baixo como um amante. — Você, é claro.

Azriel caminhou devagar, cruzando os braços. O mestre-espião parou na frente dele e sentou na cama, tão casual como se eles realmente tivessem intimidade para tal. Fenrys calculou, com a cabeça tonta de vinho, quantos metros o separavam de Azriel. Um e meio, para ser exato.

— Você continua a insistir em me insultar em minha casa — rebateu Azriel, tão afiado com uma lâmina.

— Por que veio aqui, Azriel? — ele perguntou. A dúvida o tirava do sério.

Impassível, os olhos avelã dele brilharam tão rapidamente que Fenrys pensou ter imaginado. Maldito álcool, ele pensou. Logo agora que ele tinha um macho lindo no quarto dele.

— Você cheira a álcool, sabia? — Retrucou Azriel, suavemente. Os sifões azuis refletiam à luz da lua que entrava na janela.

— Não responda uma pergunta com outra — disse Fenrys, irritando-se.

Azriel inclinou a cabeça para cima, meio de lado e fitou Fenrys. Fitou mesmo. Dos pés descalços, até o grande lençol escuro que cobria suas pernas e suas partes íntimas. Ele subiu o olhar para o tronco de Fenrys, demorando-se nas voltas de seus músculos tensos e descansando, por fim, em seus olhos.

— Quem está invadindo a privacidade de quem agora? — emendou Fenrys.

Az continuou calado, olhando para ele com um certo tédio, misturado a algo impossível de decifrar, mesmo para Fenrys.

— Quando eu te vi na floresta... — começou Az, ignorando a ironia de Fenrys, ignorando qualquer hostilidade. — Achei que fosse um deus.

Fenrys engoliu audivelmente. Ele só poderia estar sonhando, não é? Era um sonho de mau gosto.

— E agora, o que acha? — Sua voz saiu rouca, mas pelo menos ele conseguiu reuni-la o suficiente para formar uma frase.

— Continuo achando o mesmo — ele disse francamente, ainda que impassível. — Só que agora você é um deus bêbado.

O macho parou e depois se levantou, olhando para o chão com confusão. Fenrys se desencostou da janela e deu um passo a frente.

— Eu não deveria ter vindo aqui — declarou ele, para a decepção de Fenrys.

— E por que veio, então? — insistiu Fenrys, sentindo como se o ar tivesse sido roubado de seus pulmões.

Az se aproximou dele. Fenrys recuou para a janela de novo, em busca de apoio. O encantador de sombras estava a um toque de distância e foi necessário toda sua força de vontade para não levantar a mão.

— Você está bêbado — observou Az, olhando em seus olhos, a respiração pesada.

— E se eu não estivesse? Diria por que veio aqui? — disparou Fenrys, buscando tentar esconder a ansiedade na voz.

Az sorriu sombriamente.

— Provavelmente não.

Fenrys franziu o cenho, surpreso.

— Temos uma resposta direta? — Admirou-se, sarcasticamente. — Temos sim.

Az piscou. Provavelmente, aquela seria a única reação dele.

— Você é arrogante — disse Az.

— Você é esquisito e viola minha privacidade — retrucou Fenrys. — Já pensou se eu estivesse nu quando você aparecesse? Seria uma situação e tanto.

O mestre-espião deu de ombros.

— Não me importo com nudez. Nem um pouco, na verdade.

O torpor do corpo de Fenrys se tornava cada vez mais intenso devido aquela proximidade repentina.

— Ah — ele murmurou. — Entendi. Você veio me ver nu. Por que não disse logo? — Assim, ele levou a mão ao lençol na cintura.

Tão rápido quanto ele, Azriel já estava lá, segurando seu pulso com força, impedindo-o de se mover. A pele de sua mão calejada era quente e suas bochechas tinham um rubor febril. 

Azriel arregalou os olhos para o aperto no pulso de Fenrys, que mal se lembrava de respirar. Em uma fração de segundo, o mestre-espião se desfez em sombras, e não havia mais nada diante dele. Fenrys xingou, o coração acelerado.

Ele caminhou aos tropeços para a cama e se deitou, sendo engolido pela escuridão de seus pensamentos entorpecidos e pensando que aquilo só poderia ter sido um sonho.

***

Az atravessou para o mais longe possível, as batidas de seu coração estavam na boca quando ele se jogou em um lago gelado onde costumava levar Feyre para treinar, tentando acalmar o corpo, a mente e a alma.

***

Um pequeno bônus, coisinhas crueis e lindas ;)

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora