Compreensão

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— Ela não o abençoou ainda porque você não foi reconhecido como meu herdeiro — argumentou o pai biológico.

Lucien deu uma risada amarga. Herdeiro...herdeiro. Só poderia ser uma piada sem graça.

— Acha que vou cair nesse papo furado?

O Grão-Senhor se levantou. Estava sério, muito sério. A expressão rígida.

— Me despreza tanto assim? Eu nem sequer sabia de sua existência até semana passada.

— Coitado do pobre Grão-Senhor — começou Lucien, o olho avermelhado brilhando de raiva. — Ele não sabia como se faziam os bebês! — ironizou.

— Eu não sabia de você! — Helion elevou a voz. — Quantas vezes precisarei repetir isso?

— E como não?! — Lucien também elevou a voz, a respiração acelerada a ponto de ofegar. — Eu sempre fui diferente deles, dos meus irmãos. Você me viu por séculos e não me enxergou, Quebrador de Feitiços — deixou o desprezo transparecer em sua voz.

— Estava cego — admitiu Helion, agora rouco e baixinho.

Aquilo pareceu agradar Lucien. Bom, ele queria que Helion sentisse, pelo menos um pouco, do que ele sentia. Toda aquela angústia. A ele, pouco se importava a plateia, pouco importava. Jurou a si mesmo que jamais seria fraco diante de Elain, mas já tinha excedido sua razão naquele momento.

— Estava — respondeu ele. — Aliás, a Tecelã ficaria orgulhosa de você. Do quão ridiculamente cego se tornou o senhor da Luz. Irônico, não? — Satirizou.

Lucien afastou a cadeira. Não conseguia encarar Helion por nem mais um segundo. Talvez tivesse sido um erro ir até lá. Talvez tivesse. E ainda teria Tamlin, Beron, Eris, sua mãe...vê-los a noite. Parecia um pesadelo.

Helion o olhou de uma forma que dizia que uma faca no peito doeria menos.

— Se me derem licença — ele virou a cabeça para Feyre e Rhys — vou me retirar.

Os dois assentiram em uníssono, a compreensão brilhando nos olhos da amiga. Lucien afastou a cadeira e caminhou pesadamente até a porta, fechando-a atrás de si com uma batida forte. Não ouviria mais. Não tinha condições de ouvir mais.

Ele nem sequer percebeu quando a porta no fim do corredor se abriu de novo e passos ressoaram em sua direção.

***

Elain havia se levantado.

Ela o seguiu. Feyre constatou, em choque. A irmã, que antes não tinha uma opinião sobre Lucien, se levantou e o seguiu porta afora.

Helion parecia a ponto de querer soltar seu poder e cegar a todos para que não olhassem para ele.

Podia o entender, afinal, o que acabara de acontecer era demais, até mesmo para sua calma letal.

Contudo, o macho se endireitou. Dentro de um minuto ou mais de silêncio, ele limpou a garganta e continuou:

— Bride deu a Dagda a própria raça. As bruxas. Creio que... — ele apontou para Manon, cujos olhos dourados brilharam predatoriamente. — Manon seja a herdeira de Dagda, conhecida por sua raça como...

— A deusa de três rostos — completou a rainha-bruxa, firme. — Como se não fosse o bastante.

Ninguém poderia dizer nada, a não ser, concordar. Ela estava certa, afinal. Como se já não bastasse tudo.

Aelin mais uma vez chamou a atenção de Helion.

— Diga o resto, eu preciso ouvir o resto — apressou ela, ansiosa.

Os olhos turquesa com dourado cintilaram como chama viva.

— Aelin, o livro diz claramente que Manannan possuía o dom das chamas. Ele a transferiu para a filha, Mala...

— Merda — disse Rowan, à guisa de entendimento.

— E de Mala — prosseguiu Helion —, passou para você.

— Herdeira do Fogo — sussurrou Aelin, para ninguém em especial. — Por isso meus poderes jamais me deixariam. Era o que Thuata tentava me dizer...era o que... — a rainha pareceu sem chão por um segundo.

— Mas por que agora? Por que só agora? — Feyre conseguiu perguntar. — Bride esperou milênios e milênios. Aengus também.

Os lábios entreabertos de Aelin tremeram.

— Acho que tenho uma ideia sobre isso. — Ela engoliu em seco. — Thuata recitou coisas sem sentido para mim, sobre quando os feéricos mais poderosos se reunissem, em como tudo culminaria a este ponto...

Feyre não conseguiu evitar, enquanto todos encaravam os lados, o chão, o teto...os olhares perdidos, desacreditados de toda aquela merda.

Feyre não conseguiu evitar, mesmo quando decidiram se retirar aos seus quartos, a fim de se preparar para o baile que não tardaria a chegar.

Feyre não conseguiu evitar. Era a única ainda sentada na mesa, com exceção de Aelin.

Feyre não conseguiu evitar.

Ela levou a mão ao ventre, temerosa pelo destino. Em pânico, na verdade.

Aelin, somente Aelin, viu o gesto. Os olhos turquesa se suavizaram em solidariedade.

A rainha sorriu com complacência.

— Sei como se sente. — Foi tudo o que disse antes de se levantar e deixar Feyre sozinha à mesa.

***

Bônus de hoje! Até quarta, corações de fogo :)

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora