Paciência

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A manhã estava adorável e fria. Apesar de ser primavera, aquele dia em especial fora feito para agradar Cassian.

Na sala de treinamento, ele a aguardava, como sempre. Estavam treinando há pouco mais de duas semanas e ainda era um sacrifício não querer gritar com Nestha por toda a particular indiferença desde o dia que Fenrys contou que estavam casados no futuro. E com filhos! Pelo Caldeirão, aquela história ficava cada vez mais maluca. E era difícil demais não se importar com essa visão, pois seria descaradamente falso de sua parte dizer que não ficou um tanto feliz com aquilo.

Entretanto, parecia melhor que o Lobo não tivesse falado nada, já que agora, Nestha mal trocava palavras com ele durante as sessões.

E ainda tinha o mais crucial, o que Fenrys o parou na porta da rua da Casa da Cidade para dizer. O que ainda ecoava em sua mente.

— Encontrei uma fêmea de nome Emerie — disse ele, baixinho. — Ela mandou lembranças e pediu para te dar um recado. Como especificou que era para você, achei melhor dizer a sós.

Ele engolira em seco. Emerie? Se falou com ela quatro vezes durante os últimos três anos, foi muito, então certamente o recado era importante.

— O que ela disse? — Quis saber. 

Fenrys olhou para a rua e para dentro da casa, como se quisesse se certificar de que ninguém ouvia.

— Suas exatas palavras foram: Diga a ele que sombras e morte espreitam no Oeste. O tom dela era muito sério. Imaginei que isso significaria alguma coisa para você.

Cassian coçou a têmpora, encucado com a informação repentina.

— Não — admitiu. — Não significa nada para mim. Mas talvez seja melhor eu checar a Oeste das Estepes Illyrianas.

Fenrys assentiu, sério.

— Ela parecia tensa, Cassian. Talvez devesse procurá-la.

E Cassian foi. Por três vezes durante as duas últimas semanas, ele foi. Mas nunca encontrava Emerie na loja. Quando perguntava as pessoas, diziam que ela tinha saído com mochilas e mantimentos e não voltou. Aquilo o estava começando a incomodar. Rowan e Rhys ainda melhoravam as coordenadas de Vaughan para diminuírem o território de busca pelas relíquias. Nem ele ou Lucien tinham dado sinais de vida, o que também era preocupante.

Az e Fenrys quase não eram vistos, pois quando não estavam cuidando de Aaron, o deixavam com Elide — de quem o garoto gostava muito — e se recolhiam a Casa de Veraneio da Corte Noturna, para poder tentar desvendar como a coisa do portal funcionava. Fenrys fizera uma vez com o Az do futuro, mas ele não lhe dera detalhes do caminho a seguir. Os portais eram importantes pois, assim, conseguiriam enviar mensagens mais rápidas aos exércitos do outro lado do mundo, ganhando mais tempo para organizar tudo.

Na maioria dos dias, Cassian supervisionava os exércitos illyrianos, deixando-os de sobre aviso, caso Aengus se movimentasse.

Nada acontecia ainda.

Era irritante e preocupante.

A situação com Nestha e Emerie também não ajudava. Por isso o tempo frio era bom. Durante cinco dias implorou a Rowan para jogar uma nevasca sobre a cidade. Neve sempre o ajudara pensar, a relaxar.

Poderia se deitar nu na neve e ficar, até onde se importava.

Quando ela chegou no recinto, afastando todos os pensamentos da cabeça dele, o rosto indiferente era o mesmo.

Usava as mesmas calças largas, botas de couro na altura dos joelhos e aquela maldita faixa branca em torno daqueles belos seios. Não conseguia se livrar do desejo de toca-los e imaginar o quanto, certamente, encheriam suas mãos. Poderia os adorar por horas enquanto ela se contorcia em baixo dele e gemia...

Cassian sacudiu a cabeça e ergueu o queixo, assumindo uma postura presunçosa, pois era a que mais a irritava.

— E então, vai me fazer andar em círculos, carregar sacos de areia ou me pendurar por um dos braços? — disse ela, ríspida, à guisa de cumprimento, conforme subia no tatame.

Os lábios de Cassian se ergueram no esboço de um sorriso e ele avaliou os braços dela e a volta sutilmente inchada dos músculos devido ao exercício pesado que a submeteu nas duas últimas semanas.

— Sem pegar peso hoje, lindinha — provocou ele.

Ela torceu os lábios.

— Não me chame de lindinha.

Ele suspirou com falso cansaço.

— Não posso te chamar de Ness, nem de lindinha. E aposto que se te chamar de Nestha, você dirá "não me chame assim". Quer que eu faça o que?

Ela cruzou os braços, orgulhosa e inflexível.

— Não me chamar seria excelente — ela pareceu conceber a ideia.

Semicerrando os olhos, ele perguntou:

— Deseja parar o treinamento? — e buscou fingir que queria mesmo isso. — Seria até melhor para mim. Eu poderia dormir um pouco mais.

— Não é isso! — resmungou ela, entredentes. — Preciso treinar. Não tenho escolha — assumiu. As palavras saíram tão forçadas que quase pôde ouvir o orgulho dela rachar. Não foi tão gratificante quanto achou que seria. — Amren disse que pode me ajudar com os poderes, mas preciso aprender a...controlar minha energia.

— Ah, os poderes da morte, não é? — Ele deu um passo na direção de Nestha, a fêmea recuou. — Aquele que faz seus longos e belos dedinhos saíram chamas prateadas — ele gesticulou com os dedos da mãos para simular chamas e depois de um risinho debochado.

O lábio dela se tornou uma linha fina de fúria e Cassian pensou que teve sorte pôr a fêmea não usar o poder nele naquele instante.

— Por que não cala essa maldita boca de macho arrogante e vamos treinar? — sugeriu ela, seca.

Devagar, ele a examinou. Um olhar que certamente a fez se sentir nua a julgar por como aquelas belas maçãs do rosto coraram e a respiração se tornara densa. Igualmente devagar, ele rosnou baixinho.

— Nosso treinamento de hoje não será aqui. Fortaleceu um pouco seus músculos. Agora precisa aprender a ter o que nunca lhe pertenceu — ele deu mais um passo para ela.

Nestha não recuou desta vez. Ao contrário, empertigou-se. Tão linda e impetuosa. Os olhos frios e quentes ao mesmo tempo. Não havia fêmea como a maldita Nestha Archeron. Era única desde as sardas douradas e sutis no nariz fino e rosto delicado e anguloso, até os cabelos que pareciam ouro bruto, escuro e líquido no sol, naquele belo tom de castanho.

— E o que seria isso que "não me pertence", Cassian? — Ela pronunciou seu nome como se fosse um insulto.

Cass deu um risinho sarcástico ao responder:

— Paciência.

***

Bônus de hoje! Até segunda, Nessians :)

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora