À guisa de permissão

2.9K 287 528
                                    

O aparador tinha um uísque de excelente qualidade, exatamente como se lembrava.

Por um longo momento, encarou os copos chatos de vidro e o cantil com o líquido âmbar.

Ele girou o pescoço devagar, sentindo-se total e irredutivelmente cansado, a ponto de conseguir ouvir os ossos e músculos estalando. Seu ombro estava cheio de nós nos músculos, que gritavam por um alívio, e tinha aquela energia nova dentro dele, aquela...coisa que Bride dissera pertencer a ele agora.

Levando a mão até o cantil de vidro, derramou uísque em um copo. Uma dose dupla.

Talvez precisaria de uma tripla ou quádrupla.

Ele pegou o copo e se apoiou na pequena mesa de madeira clara que tinha ali, conforme encarava o chão de pedra vermelha.

Em sua frente, uma parede era tomada por livros, onde uma poltrona jazia, sobre um tapete escuro como a noite. Atrás de Lucien, prateleiras de tabaco em formato de losango, com um estoque de vinhos e uísques muito interessante.

Estava a uns três níveis abaixo da sala de jantar da Casa do Vento, onde agora, todos se reuniam, esperando que a reunião dos Grão-Senhores e dos reis de Terrasen acabasse.

Lucien atravessou direto para aquela sala — depois de um longo banho —, que tinha sido seu refúgio mais vezes do que o maldito quarto onde costumava ficar. Era um lugar que ninguém ia, ou tinha o interesse em explorar. Ou seja, perfeito para quem precisava mergulhar na onda de auto depreciação como ele.

Uma golada desceu queimando em sua garganta e ele se deu conta de que o copo já tinha se esvaziado.

Voltou ao aparador de vidro atrás da mesa, para se servir mais uma vez. Sua boca estava seca enquanto se lembrava etapa por etapa dos dias em que passou naquela floresta com Vaughan. E, porra, ele beijou o macho. Vaughan retribuiu o beijo com um cuidado que jamais tiveram com ele. Uma ternura. O beijou como se ele pudesse quebrar.

As papilas gustativas de Lucien se abriram e o gosto de Vaughan mais uma vez tomou sua língua. Mesmo o uísque era incapaz de fazer com que sumisse. E ele...não queria que sumisse. Aqueles dias foram importantes de diversas formas diferentes. Abriram espaço para coisas que Lucien estivera decidido a enterrar dentro de si para sempre.

Pelo menos chegaram a tempo. A área da floresta onde o espelho se encontrava era muito repleta de magia profunda, o que impediu os machos de atravessarem direto daquele ponto. Foi necessário horas de caminhada, doze, para ser exato, até que chegassem a um ponto onde seus poderes de atravessar pudessem ganhar força. Lucien ficou esgotado com o que aconteceu no Espelho, então Vaughan os atravessou para Velaris, onde conseguiram chegar no meio da conversa com Bride. Mal poderia acreditar que tinham chegado a tempo, após tanto incerteza.

Lucien fez de tudo para não parecer esgotado. Fez de tudo para não demonstrar o quanto a experiência na floresta sugou dele. E ao encontrar o olhar de Helion, o chamou de pai. Algo brilhou no semblante do Grão-Senhora da Corte Diurna. Um orgulho terno que poderia o ter quebrado. Ainda se sentia tonto por isso. E por aquela coisa dentro dele. E por ter beijado Vaughan.

Pelos deuses antigos...Vaughan.

Ele engoliu em seco, servindo mais uma dose de uísque, o gosto do macho fazendo sua boca salivar. Se tinha ficado assim apenas por um beijo simples, o que seria dele quando o provasse de verdade? Poderia se partir em pedaço, até onde se importava.

Vaughan o beijou como se ele fosse quebrar. Aquilo ressoou alto em seus ouvidos, o tomando com um desejo profundo de conhecer mais. Poderia nunca ser o suficiente. Que seja.

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora