Nas altas horas

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Az seguiu pelo corredor.

Sua cabeça era como o tinir longo e intenso de um sino.

Como ele conseguiria ficar ali sem saber dos outros?

Como é que deveria sentar e esperar por uma notícia ruim?

Estarei lá quando você acordar. A promessa ecoou em sua mente cansada, até os confins mais escuros.

Estava tão esgotado que nem ao menos suas sombras estavam ali. Sentia falta delas, sussurrando sempre o que ele precisava ouvir.

Suas sombras eram suas protetoras, desde que conseguia se lembrar.

Era difícil para ele não atravessar ou até mesmo, não sair voando em direção a batalha.

Sabia que ficar olhando não era sábio, só aumentaria sua ansiedade e vontade de fazer algo muito burro, tipo voar até eles.

Assim que chegou a um corredor familiar, ele seguiu a segunda porta à direita. Nunca tinha entrado no quarto de Fenrys pela porta, era estranho.

Ele entrou.

O silêncio dali não era muito diferente do resto da casa, mas, por mais incrível que pudesse parecer, era o lugar em que se sentia mais à vontade.

Ele caminhou para dentro e fechou a porta.

Do lado esquerdo, o grande armário estava com as portas uma das portas abertas. Alguns casacos estavam pendurados, juntamente a calças, mas não de um jeito muito adequado. Certamente aquilo tinha sido obra de Fenrys. Ele não era muito organizado, percebeu.

A cama estava remexida, como era de se esperar. Os lençóis brilhavam a fraca luz da lua que entrava pela janela e Az quase pôde ver aquele lindo macho deitado nela, completamente nu. Seu corpo escultural e lindo, banhado pela fraca luz da janela.

Ele sacudiu a cabeça, afastando aquele pensamento inquietante.

A janela tinha uma mísera visão da cidade, mas ele prometeu a si mesmo que não olharia, não com tudo que acontecia.

A cada passada, o corpo de Az gritava por descanso.

Ele caminhou até a cama e inspirou. O cheiro de Fenrys era tão forte que o deixou inebriado e reconfortado, ainda que um pouco.

O illyriano sentou na cama, os músculos doloridos. Até mesmo os ossos estavam doendo. Arrancou as botas rapidamente e depois tirou as calças, ficando apenas com o fino penhoar escuro que usava por baixo. Em um outro movimento infeliz, tirou o casaco, depois a blusa de baixo, empilhando-as no chão ao lado da cama, devidamente dobradas.

Virou-se para a cama e deitou de lado, afundando a cabeça nos travesseiros de seda. Seu corpo seminu se deliciou com o frescor fino do pano abaixo. O cheiro de Fenrys invadia suas narinas e, então, afundou uma das mãos no travesseiro, inquieto.

Nunca, jamais tinha se descontrolado tanto por alguém. Nem mesmo por Mor. O que estava acontecendo com ele?

O aperto dentro de seu peito se intensificava à medida que o corpo relaxava. Sentia-se um inútil deitado ali enquanto todos arriscavam suas vidas, mas os estímulos de paz que o alcançavam eram tão bons, quase era como se uma vozinha em seu interior dissesse "durma" e a outra dissesse "estarei aqui quando acordar".

Azriel fechou os olhos, estranhando o fato de sua própria mente projetar o som da voz de Fenrys, como uma canção de ninar.

Encostou mais o nariz no travesseiro, aquele cheiro penetrando fundo dentro dele, mantendo-o acordado apesar da vozinha em sua cabeça o induzir ao contrário. Certo, ele quase esgotara sua energia vital, precisava de horas de sono, mas sentia-se um baldio em sequer pensar na possibilidade.

Suas pálpebras ficaram cada vez mais pesadas, contudo.

Não soube precisar exatamente o momento em que foi tomado por um cochilo, mas forçou sua mente a voltar. Algo lhe dizia que deveria, algo...

Az acordou suado, olhando ao redor. Fenrys não estava ali. Mas por quanto tempo dormira? Uma hora? Cinco minutos?

Remexeu-se, as mãos tateando a cama cegamente a seda fria sob seus dedos.

Ele abriu os olhos ao sentir uma textura diferente na superfície.

Era um papel envelhecido, um pergaminho, queimado nas bordas. Raramente viu uma coisa daquela em sua vida.

Era uma mensagem de fogo. Uma verdadeira mensagem de fogo. Na cama de seu macho.

Ele fez a menção de tentar sentar, mas cada pedaço de si reclamou com uma guinada de dor, e não teve alternativa a não ser desistir de tentar.

Seu coração começou a bater tão forte que não sabia precisar em qual momento seu lado de mestre-espião falou mais alto. Quando viu, já tinha desdobrado o papel e corria os olhos pelo conteúdo. Era simples, curto, em letras garrafais e dizia:

"Estou voltando por você, Fenrys.

Não vejo a hora de reencontrá-lo.

Vaughan."

Az conteve a vontade de amassar o papel. Quem era Vaughan e por que ele voltaria por Fenrys? Como ele sabia que Fenrys estava ali? A cabeça de Az girou quando olhou para o teto. Lá fora, não havia mais a chuva de "meteoros", mas o som longínquo da batalha ainda era perceptível.

Uma onda de ciúme visceral o tomou de novo, mas ele a controlou, colocando o papel na mesinha de cabeceira. Fenrys estava com ele agora, era o que importava. Não se preocuparia com isso, não enquanto a vida dele corria perigo.

Az respirou fundo e deixou que o cansaço o levasse aos sonhos.

Durma, repetia a voz de Fenrys em sua cabeça. Estarei aqui quando acordar.

Então, o mestre-espião apagou como uma lâmpada.

***

Bônus de hoje. Até sexta, corações de fogo ;)

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora