Jornada

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Nestha se esgueirou por entre as copas das árvores, de galho em galho, como um pássaro. Ao menos, houve uma utilidade todo aquele equilíbrio feérico e as aulas de dança quando criança. Um dia, fora uma excelente dançarina, mas tirando a música, seu desejo de dançar havia se esvaído.

Com o tempo, estava começando a se habituar com a ternura, com o cuidado que Cassian tinha com ela, mesmo que não se achasse merecedora disto.

Ela obervou um galho a frente, não muito certa de que era seguro como o anterior. Mas deveria seguir as instruções de Cassian: Mantenha-se em movimento. Vou encontrar você.

Não queria ter ido. A maldita Mãe sabia que jamais deixaria Cassian por escolha.

Entretanto, as circunstâncias não ajudaram muito.

Aquelas criaturas horrorosas de pele enrugada e cinzenta os encontraram no coração da floresta de Terrasen. Fenrys dissera que os feéricos de Terrasen habitavam aquela região. Nestha não tivera chance de cruzar com um, no entanto.

Buscando reavivar o foco, a fêmea se lembrou da missão: Encontrar a Espada da Manannan, não a usar sob hipótese alguma, enquanto Cassian, Azriel e Fenrys distraíam as bestas que os seguiam. Não queria nem saber como o deus sombrio os havia seguido até ali. Era melhor não saber.

Saltar ou não saltar...era a questão.

Era um galho meio raquítico, em uma árvore que de longe parecia forte como as demais. Seus ouvidos a informaram que alguma coisa se aproximava.

Mantenha-se em movimento, Ness. Fora a ordem de Cassian, ao oferecer um sorriso amoroso.

— Que se foda essa merda — ela deu um impulso e saltou. O galho fez um barulho nada divertido. Madeira se partindo.

O mundo se tornou movimento e Nestha praguejou a própria sorte ao atingir o chão, as costas batendo em cima do maldito galho.

— Confie em seus instintos, Nestha — debochou consigo mesma. — Instintos de merda.

Ela vagou pela floresta fria, amaldiçoando o vento gelado que descia em espiral pelas copas das árvores. Não havia sinal de vida, tampouco da tal Chama do Rei, fosse o que fosse. Pensou que poderia ser algo figurativo, sua cabeça vagava nas possibilidades aparentes.

Encontrando uma inclinação mais a frente, subiu para ter um pouco mais de visão. Parecia ser a parte mais antiga da floresta. As árvores eram unidas demais, os troncos mais grossos, altos e retorcidos. Nem de longe ouvia o som de alguma batalha.

Isso havia de ser um bom sinal, considerando tudo.

Mesmo assim, Nestha não conseguia se livrar da sensação de que deveria voltar para Cassian. Era como um ímã irritante. A vontade proteger, ainda não houvesse sentido, visto que ele sim era um guerreiro treinado. Teria muito pela frente. E era mais fácil ela perder uma luta do que ele. O treinamento já a tinha livrado do sufoco, só que não vivaria uma guerreira voraz em questão de meses. Levaria anos.

Com sua maldita teimosia e persistência, contudo, podia contar.

Após quilômetros andando, seus pés começavam a reclamar, a boca estava seca pelo desejo incessante de água, que havia acabado algumas horas antes. A comida, um pão extremamente ruim de viagem, teria de ser racionado, portanto, ela não se daria ao luxo de ceder e pegá-lo.

Depois que a luz da lua se instalou no alto céu, Nestha se permitiu encontrar um lugar e dormir.

Uma caverna fétida e seca, mas que a deixaria minimamente protegida a noite.

Na manhã seguinte, continuou caminhando, já tendo certeza de estar perdida. Ao menos, isso a fornecia tempo para pensar, coisa que era difícil viajando com dois illyrianos e um feérico meio lobo.

Tentou não pensar se estavam bem e em segurança.

Aos poucos, ela foi deixando o emaranhado intenso de árvores para um bosque mais espaçoso. Em algum momento da manhã, encontrou água correndo de um riacho, comeu, e encheu o cantil, para racionar mais tarde.

Um barulho estrondoso cortou o ar mais a frente. Nestha congelou, escondendo-se atrás de um tronco. Era inútil. Se a pessoa fosse minimamente sobrenatural, sentiria seu cheiro, mas era melhor do que ficar visível ao que passasse.

O movimento característico de asas a deixou esperançosa. Era um som intenso demais para se tratar de illyrianos, que poderiam ser muito sorrateiros ao voar. Pequeno o bastante para não ser um dragão, o que era ótimo.

Ela se moveu devagar para a beirada, o coração latejando com expectativa. No centro da clareira, uma enorme serpente alada estava, sem a presença de sua montadora. Nestha não soube dizer se respirava de alívio ou tremia de tensão.

O ar se tornou mais denso e a sensação de ser observada fez os pelos de sua nuca se arrepiarem.

Havia uma pessoa atrás dela, ou alguma coisa. Deveria ter sido mais esperta e não se distraído com a serpente.

Xingando baixo, o estômago fundo, adrenalina pulsando em suas veias, Nestha fez seu movimento.

Virando-se, foi surpreendida por uma lâmina elegante no pescoço, pressionando-a contra a árvore. Ela engoliu em seco. O vento trouxe a ela o cheiro de ferro, sangue e lírios.

Pressionando o corpo contra a árvore, ela examinou sua batedora.

Cabelos prateados rebeldes se soltavam da trança da fêmea mortalmente linda que portava a arma.

— Está bem longe de casa, Archeron — ela deu um risinho diabólico, os olhos dourados incisivos brilhavam com malícia.

— Você também — atirou de volta, o semblante emanando arrogância.

***


Nota da autora: Sei que eu disse que só postaria quando acabasse de escrever, mas optei por trazer este bônus por três motivos: 

1) Para vocês saberem que estou escrevendo o final e que sairá em breve; 

2) Porque hoje é Dia do Escritor, estou emotiva e estamos de capa nova; 

3) Para dar a vocês um gostinho do que vem por aí depois de tanto tempo longe; 

Beijos de luz, coisinhas crueis e lindas. 

Da sua Malu ;)  

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora