Capítulo 56- Interiores quebrados

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Encarando a porta como se fosse uma obra de arte, Cassian mesurou se deveria ou não bater. Depois de tudo que aconteceu, não sabia ao certo se a maior defensora de Elain o receberia, ou sequer o daria ouvidos. Era difícil se aproximar dela. Houve momentos em que o illyriano cogitara desistir. Mas nada, nada o fazia tirá-la de sua cabeça. Por mais que quisesse. Por mais que seus sentimentos estivessem esgotados.

Ele suspirou, encostando a mão na porta do quarto de Nestha Archeron. A fêmea se trancou lá dentro na noite anterior e não se dignou a aparecer depois disso. Já era meio dia do dia seguinte e Cassian não se aguentava de preocupação.

Quando fez a menção de bater, a porta se abriu, por poucos não o fazendo desequilibrar. Graças a suas asas pelo equilíbrio.

Assim que ele a viu diante si, foi como se estivesse em uma barragem próxima da ruptura. Seu coração se comprimiu ao ver o estado dela. O queixo empinado era o mesmo, a pose de rainha fria e superior também. Mas havia algo nos olhos, um vazio que se intensificou, a ponto de se tornar visível além das camadas escondidas.

Ele inspirou. O ar ficou preso na garganta conforme seus olhos percorriam a fêmea. Ela usava um penhoar de seda cinza clara. A volta de seus seios e quadris marcados pelo fino tecido que cobria o corpo esguio. Os olhos pareciam uma tempestade cinzenta quando ela direcionou ódio vítreo através da expressão rígida.

— Nestha — cumprimentou ele, com a garganta comprimida.

Com um movimento suave, ela saiu de frente a porta, dando abertura para que ele passasse. O coração de Cassian palpitou. Nestha Archeron o convidava para entrar em seu quarto? Sem nem um insulto sequer?

Ele botou os pés dentro do quarto antes que a coragem lhe faltasse ou que ela mudasse de ideia e o enxotasse. Com Nestha, nunca se sabia. Tentou não pensar no beijo que ela o dera semanas atrás, ou no calor da fêmea — que sempre aparentara ser tão fria — em seus braços. No desejo inebriante que sentiu ao volvê-la e na tristeza que foi soltá-la. Aquilo o fez imaginar e querer descobrir cada um de seus sons, cada reentrância que Nestha estrategicamente escondia do mundo.

Quando a porta se fechou, Cass se voltou para ela, que já o encarava, os braços cruzados sobre o corpo, enfatizando a curva dos seios comprimidos no centro do peito, onde a pele nua se fazia visível. Ele forçou os olhos a congelarem nos dela, ou enlouqueceria.

— Eu precisava mesmo discutir uma coisa com você — disparou ela, a voz neutra.

A surpresa o pegou e ele entreabriu os lábios.

— Oh — foi tudo o que saiu.

O semblante vazio de emoção dela se fez mais preguiçoso. Era incapaz de saber o que ela pensava.

— Quero que você me treine — expôs ela, se aproximando a ponto do cheiro dela o invadir como um tapa na cara.

Fechando as mãos em punho, ele processou o pedido. Uma risada arrastada e fraca saiu dele segundos depois.

— Qual a graça? — as bochechas acentuadas e ossudas dela ficaram rosadas com irritação.

Ele se aprumou, piscando.

— Está mesmo falando sério?

Ela piscou para ele, como se a pergunta fosse ridícula.

— Você está? — replicou.

Bufando, ele colocou as mãos na cintura.

— Sinceramente, esperaria tudo menos este pedido.

— Então é um idiota — retrucou ela, com indiferença.

Ele apontou o dedo para ela, erguendo o canto da boca.

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora