Capítulo 86 - Reconhecimento

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Não conseguia se lembrar porque estava vestido daquela forma. Ou como isso chegou a acontecer. O que sabia, com certeza, era que tinha a ver com aquele deus sombrio, seus pensamentos podres e corrompidos, sua essência poderosa e terrível que se erraizava mais a cada maldito dia.

A sensação de ser usurpado de si, de o tomarem a liberdade e o controle novamente...

Aquilo não o remeteu apenas ao controle de Amarantha, mas ao que ele mesmo tinha feito a Feyre Archeron. O quão profundo ele a tinha magoado? O quão profundo sua obsessão e proteção feral acabaram de quebrar a mulher que ali havia? A mulher que ele amou de uma forma não saudável.

Estava doente muito antes dela matar aquele lobo na floresta, muito antes de Amarantha o aprisionar naquela máscara. Estava doente há muitos, muitos anos.

Dar-se conta disso era como se afogar na própria culpa, pouco a pouco.

Não era um herói, tampouco um macho digno da redenção. Mas ele não era um genocida. Não compactuaria com o espírito maligno que o dominava.

A armadura dourada tilintou enquanto ele deixava a barraca digna de um deus que havia sido armada para ele. Não ele — mas Aengus.

Somente a lembrança do nome o causava náuseas.

O vento frio soprou em seu rosto, vindo com o cheiro de fogueiras e suor e sangue.

Pelos malditos deuses, porra.

Praguejou a falta de consciência no instante em que percebeu onde estava. Um enorme acampamento, em um longo campo arado. Brutamontes híbridos, goblins negros — não como os esverdeados de Bride —, além de assustadores guerreiros pálidos que mais pareciam sacerdotes em suas túnicas pálidas. A julgar pelas longas lâminas mortais ao lado do corpo e a precisão de golpes enquanto se aqueciam, aquela seria uma batalha feia.

Todos pararam o que faziam quando ele se fez visível. Precisou se lembrar de que eles não podiam descobrir que ele era ele. Então, ergueu o queixo e os lançou um olhar entediado de desgosto e crueldade, exatamente como imaginou que o deus sombrio os encarava.

— Voltem as suas tarefas — bradou um general brutamontes.

Tamlin ainda fazia as contas de quanto lanças tinham. Parecia interminável.

Eles imediatamente obedeceram, tirando o foco de Tamlin. Mas aquele general, um macho maior do que ele e de aparência cruel, se aproximou. Ele tinha que pensar rápido. Aquele macho era esperto o bastante para desconfiar dele, o que deixava margem para Aengus descobrir que também era colocado para dormir vez ou outra.

A fera dignou-se a erguer a mão, fazendo o macho parar no meio do caminho.

— Agora não — seu tom firme, autoritário e arrogante reverberou e o general deu um passo para trás, escondendo a irritação no semblante grotesco.

— Como quiser, senhor das trevas — ele abaixou a cabeça e voltou para a pequena arena onde os soldados sacerdotes (muito parecidos com os que nocautearam Tamlin) lutavam.

Pelo cheiro, ele seguiu seu objetivo.

Pelo cheiro, parou em uma barraca que ficava a 5 metros da sua, em linha reta, e onde dois guardas enormes estavam parados.

Os dois prestaram continência e abriram espaço. Tamlin evitou seus olhares, como havia feito com o general. Caso contrário, notariam a ausência da aura negra na íris.

Tamlin sentiu o cheiro de jasmim antes de entrar na barraca e ele foi absolutamente inebriante.

O inteior da barraca estava aquecido e com um perfume adocidado de essências em palitinhos que queimavam no canto, dos quais Tamlin não se lembraria do nome no momento.

Corte de Fogo e GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora