Quem sabe é a criança(24)

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Tatiana:24

Alguns dias se passaram e o meu pai estava cada vez pior. Eram sete e meia da tarde, a minha mãe tinha ido visitar o meu pai ao hospital. A Aurora ficou comigo no Lince. Eu tinha ido visita-lo, de manhã. O meu pai estava muito debilitado, custou-me muito vê-lo assim.

A Aurora desenhava sentada numa das mesas do Lince. O Lince estava vazio. Eu estava sentada ao lado dela. A Carla estava no balcão a ler o jornal.

" Já viste que ainda não apanharam o autor dos assassinatos que tem havido. Já está aqui mais um. Um casal é encontrado morto na beira da estrada. E no carro ficou o filho de três anos. Já viste o que é esta criança ficar sem pais." Disse a Carla.

" É horroroso. Eu não sei como há pessoas tão más." Eu concordei.

Olhei para o desenho da minha filha. Eu tinha os lápis de cor na mão e ia dando a minha filha assim que ela me pedia.

" Mãe! Dá-me o castanho!" Disse a Aurora. Eu dei-lhe. A Aurora tinha desenhado um homem, uma mulher e uma menina que eu supunha ser ela.

" Filha! Quem estás a desenhar?" Perguntei.

" Oh! Mãe! Não vens logo? És tu, eu e o pai." Ela disse. A Carla risse.

" Pronto, filha. Desculpa! Claro que se vê logo. Queres o azul para pintares a camisola ao pai?" Eu perguntei, estendendo-lhe o azul.

" Não. O pai usa roupas brancas." Ela responde.

" Usa roupa branca? Mas a mãe já te mostrou varias fotografias do pai e ele estava sempre com roupas de cores. Ele gostava muito de azul." Eu disse.

" Mas agora ele só usa roupa branca." Ela disse continuando a pintar.

" Porque é que dizes isso?" Eu pergunto.

" Oh! Mãe! Todas as pessoas que estão mortas usam roupa branca." A Aurora explica como se fosse a coisa mais natural do mundo.

" Até parece que não sabes, Tatiana? O pai agora é um anjinho." A Carla disse. A Aurora olhou séria para a Carla, como se ela tivesse dito uma barbaridade.

" Carla! O pai não é um anjinho. Ele é um espírito." Emendou a Aurora. É engraçado, mas sempre que sonho com o Cláudio, ele está sempre vestido de branco. Calças brancas de ganga e t-shirt branca.

" Ai! Filha! Onde é que ouviste falar disso?" Pergunta a Carla.

" Não tens nada a ver com isso." A Aurora responde.

" Aurora! Não é assim que se responde." Eu repreendo-a. A Carla risse. A Aurora tem sempre uma resposta atrevida na ponta da língua. Eu repreendo-a, mas sai-lhe naturalmente.

Eu olho de novo para desenho e num quanto do papel está desenhado um homem que ela pinta de preto. Ela tinha desenhado os olhos grandes e pintados de azul.

" Quem é este aqui, Aurora?" Eu pergunto. Ela senta-se ao meu colo e coloca o papel a sua frente.

" É o vampiro mau." Ela disse.

" Filha! A mãe já disse que não existem vampiros." Eu expliquei-lhe.

" Existem sim." A Aurora disse e virou-se para mim.

" Não, não existem." Eu disse.

" Existe sim." Ela ateimou.

" Não. Não existem. Não sejas teimosa." Eu dei-lhe um beijinho.

" Tu é que estás ser teimosa." Ela responde. Eu começo a fazer-lhe cocegas.

" A mãe não é teimosa. Tu é que és." Eu disse brincando com ela.

" És teimosa sim." Eu continuei a fazer cocegas e ela ria.

" Repete lá isso." Eu pedi.

"Para! Mãe!" Grita a Aurora entre gargalhadas. Eu não parei e ela ria. De repente ela parou de rir e ficou séria.

" O que é que fui, filha?" Eu perguntei. Ela olhou para mim.

" O avô morreu." Ela disse.

" O quê?" Eu perguntei. Não percebendo bem.

" O avô morreu." Ela repetiu.

" Aurora! Não se brinca com essas coisas." Eu repreendo.

" Eu não estou a brincar, mãe. O avô morreu." Ela disse triste.

" Filha! Isso não se diz." Eu repreendi-a.

" Mas é verdade, mãe. Acredita em mim." Ela pede.

" Aurora! A mãe está a ficar chateada contigo. Para de dizer isso!" Eu ordenei-lhe.

" O avô morreu." Ela repetiu com as lágrimas nos olhos. Eu ia repreende-la de novo, mas o meu telemóvel tocou. Eu coloquei a Aurora na cadeira e fui atender. Era a minha mãe, a dar uma triste notícia. O meu pai tinha acabado de falecer. Eu fiquei sem palavras. Eu olhei a Aurora que estava sentada na cadeira com uma cara triste. Eu aproximei-me dela. Abaixei-me na frente dela.

" Filha! Como é que sabias?" Eu perguntei. Ela tinha as lágrimas nos olhos. Não respondeu. Colocado os seus pequenos abraços em redor do meu pescoço e apertou-me. Eu a retribuo o abraço e dei-lhe um beijo na cabeça. Os meus olhos encheram-se de água. Eu não queria acreditar que o meu pai tinha falecido. 

Um Monstro em tiOnde histórias criam vida. Descubra agora