10. Capítulo 3 - Deus Deixou o Chão - 2ª parte

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Capítulo 3 – Deus Deixou o Chão – 2ª parte


Dugan


O homem permaneceu em silêncio por alguns instantes, e à luz do sol nascente pude ver que os olhos pálidos de Chuck eram de um verde brilhante e experiente. Aquelas esferas verdes me estudaram de forma pensativa e então assentiu, como se, apesar de eu não ter explicado completamente, ele tivesse entendido.

— E você? — Perguntei depois de mais alguns segundos.

— Sou de uma cidade próxima — ele respondeu.

Eu tinha enfiado outro feijão verde na boca, e engoli com dificuldade. A textura dos vegetais moles se tornava menos palatável a cada mordida, sem contar que eles eram completamente frios e sem sabor. — Só você?

Os olhos de Chuck se voltaram tristemente. — Minha esposa morreu há cerca de cinco anos.

— Sinto muito por ouvir isso.

— Ela estava doente antes do surto. Nós dois sabíamos que isso aconteceria. — Ele balançou a cabeça. — Você disse que tinha esposa e filha?

Eu respirei fundo, em uma tentativa de afastar a onda de emoção que a pergunta me trouxe.

Não era pensar ou falar sobre elas que me afetava sobremaneira, mas sim era pensar nisso no pretérito. Eu 'tinha' esposa e filha, mas agora elas se foram. — Perdi as duas para a infecção — disse-lhe.

Ele acenou com a cabeça em um sinal de reconhecimento e, em seguida, baixou-a com simpatia. — Quantos anos ela tinha?

Pensei que ele se referia à minha filha, mas não tendo certeza absoluta respondi por ambas. — Minha esposa tinha trinta e seis anos, minha filha tinha nove.

— Tão jovem — ele disse tristemente, e nós dois nos calamos. Depois de um minuto, ele se inclinou para olhar para a lata de feijão verde. Nós tínhamos limpado cada pedacinho de verdura que restava, mas ele a segurou mesmo assim. — Você se importa? — Perguntou ele, apontando para o líquido na lata.

Meu rosto se torceu de nojo ao pensar em beber o líquido, mas acho que era exatamente o quão faminto ele estava. Então eu ri e acenei: — Não, se você aguentar.

Ele tomou alguns goles e, quando a puxou dos lábios, enxugou a boca na parte de trás da manga e estremeceu. — O que eu não daria por um filé mignon.

— Ou uma bela e suculenta calda de lagosta — eu acrescentei, fechando os olhos para fantasiar sobre as comidas deliciosas que nós costumávamos dar como certas.

— Amém — ele levantou a lata para brindar e, em seguida, agitou o resto de seu conteúdo. — Talvez você devesse voltar para a Califórnia. Arranje um barco.

— Nunca fui um grande marinheiro — eu admiti. — Antes do surto, eu era vice-presidente de uma companhia de seguros. Tinha um escritório lá em cima no prédio do lado que dava para o mar. Só de olhar para ele me deixava enjoado.

Seus bigodes se contorciam de riso. — Costumava ser um rapaz bonito, hein?

Eu sorri e dei uma espécie de meio aceno. — Bode expiatório, era como minha esposa costumava me chamar. Ela sempre adorou me tirar da zona de conforto. Ela era a aventureira.

— Você parece estar fazendo tudo bem por si mesmo — disse Chuck tranquilizador.

Sorri agradecido e tomei um gole do galão de água. — E você? O que você fazia antes do surto?

Caronte Atraca À Luz Do DiaOnde histórias criam vida. Descubra agora