78. Capítulo 26 - Milhas do Outro Lado - 1ª parte

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Capítulo 26 – Milhas do Outro Lado – 1ª parte


Let It Be de Blackmill (ft. Veela)


Milhas do outro lado


Echo


Flashback on – Seis anos antes


Os meus dedos saltavam de tecla em tecla e, mesmo que eu mantivesse meus olhos fechados, eu podia ver cada uma delas antes de pressioná-las. Sempre tocava melhor quando eu não conseguia enxergá-las. Quando não havia distrações. Eu sabia de cor qual nota escutaria a seguir, sabia de cor que a música que eu tocava estava quase acabando. Foi porque eu estava de olhos fechados que eu não sabia que minha mãe tinha entrado, então quando eu terminei, a voz dela me assustou.

— Parece que você está apaixonada — ela ponderou, ao dar uma risadinha quando eu comecei.

Assim que a surpresa passou, eu não pude deixar de rir. — Como você sempre sabe?

Os olhos azuis escuros e suaves dela me acolheram com um sorriso carinhoso, enquanto ela atravessava o porão em direção ao cavalete de pintura dela. — Você é uma artista, querida — ela respondeu, e quando se sentou em seu banquinho acenou com a cabeça em direção ao piano à minha frente. — Sua alma está no resultado de tudo que faz. Você ficou com isso de mim. — Ela se levantou o suficiente para se inclinar e plantar um beijo na minha cabeça. — Esse seu grande cérebro que memoriza essas músicas... Você herdou isso do seu pai. — Sorri de maneira divertida, ao pressionar pensativamente uma tecla por algumas vezes. — É Genevieve, ainda? — Mastiguei o interior da minha bochecha com tristeza enquanto acenava com a cabeça. — Ela arrumou outro namorado?

— Não — — eu respondi, rindo da forma repreensiva com que minha mãe questionou isso. — Tinha um jogo de futebol na noite passada. Ela tinha me convidado para ir.

— Por que você não me contou? — Minha mãe perguntou com surpresa ao mesmo tempo em que mergulhava duas tintas coloridas diferentes em uma paleta para misturá-las. — Eu teria levado você.

Eu encolhi os ombros, completamente sem saber por que não fui. Agora me arrependia. Especialmente porque ela me convidou para o próximo, e agora que seríamos só nós duas depois, eu estava mais nervosa do que ontem. Pelo menos com outras pessoas ao redor eu poderia evitar ser notada e tentar me misturar.

— Eu não sabia o que isso significava — admiti, ao pegar de maneira distraída em um fio do banco almofadado do piano. — Pensei que eu estaria sentada lá, ela não repararia em mim o tempo inteiro, e então eu voltaria para casa.

— Hum — cantarolou minha mãe. Ao mergulhar o pincel na tinta, ela perguntou: — É isso que realmente significaria?

— Não — eu respondi com um suspiro, ao olhar para a escuridão do lado de fora da pequena janela do porão, perto do teto. — Ela queria que eu fosse comer pizza com eles depois.

— Há sete anos você a conhece — começou minha mãe com um sorriso provocativo, — E finalmente algum progresso.

— Espere até que eu conte a próxima parte a você — eu murmurei, e ela me observou com curiosidade. — Eu meio que dei a ela a desculpa de que sou tímida. Então, na semana que vem, ela disse que podemos ser só eu e ela que sairemos depois.

— Então por que tamanha melancolia? — Ela me observou, claramente confusa, mas depois de me encarar por mais alguns segundos ela entendeu um pouco. — Do que você tem medo?

— Anos de expectativa — eu resmunguei honestamente. — Pelo menos nos meus devaneios as coisas saem do jeito que eu quero. Ela nunca me deu nenhum motivo para me fazer crer que pensa em mim dessa forma. Ela nunca me deu nenhuma razão para acreditar que pensa em mim.

— Você quer a minha opinião? — Minha mãe perguntou, e eu dei de ombros para meu consentimento sem entusiasmo. — Acho que ela finalmente está começando a perceber que minha bebê é muito tímida e que ela vai ter que vir até você.

Eu bufava com gratidão, de maneira divertida. — Eu só queria ser mais corajosa, como Becca. — Minha irmã nunca teve problema nenhum com romance. Quando queria alguma coisa, ou alguém, ela conseguia. De modo fácil.

— Deixe-me contar uma coisa sobre Becca — começou minha mãe, ao apontar seu pincel para mim para dar ênfase. — Quando ela tinha a sua idade, e até hoje, seu pai e eu passamos muitas noites sem dormir, preocupados com a possibilidade de que sua bravura iria colocá-la em algum problema com os rapazes.

Não pude deixar de rir disso, e disse à minha mãe com um encolher de ombros brincalhão: — Pelo menos eu não poderia engravidar.

Ela riu com igual diversão por um minuto, e então seu rosto ficou mais simpático. — Mas você ainda pode ficar com o coração partido.

Ela voltou-se para o cavalete, e eu assisti a cada pincelada com admiração. Eu queria que ela tivesse me dado o gene da pintura. — Sua pintura está ficando muito boa — eu disse a ela depois de um minuto de silêncio.

Ela se inclinou para trás a fim de fazer uma análise crítica. — Você acha?

— Sim. Talvez seja um dos meus favoritos — garanti a ela. — Você devia pendurá-la na sala de estar.

— Então eu acho que vou fazer isso — ela concordou alegremente.

Como eu já havia acabado de tocar piano por essa noite, eu me virei para puxar o estrado sobre as teclas. — Como está o papai?

— Ele está dormindo — respondeu ela. — Está com uma febre muito forte. Tenho certeza de que ele só precisa de um pouco de descanso. — Acenei com a cabeça e, quando não pude deixar de dar outro suspiro apaixonado, ela me olhou com um sorriso carinhoso. — Você sabia que seu pai tinha uma namorada quando nos conhecemos? — Abanei minha cabeça em negação. — Éramos amigos há muito tempo. Eu esperei e esperei, aguardando que em algum momento no futuro as estrelas se alinhassem.

— E elas se alinharam — eu observei alegremente.

Minha mãe acenou com a cabeça e acrescentou de forma encorajadora: — Paciência, querida. — Ela fez uma última pincelada antes de apontar o pincel para mim novamente. — Essa é a base do amor verdadeiro.


Flashback off



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Continua...

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Caronte Atraca À Luz Do DiaOnde histórias criam vida. Descubra agora