86. Capítulo 28 - Se Começássemos Às Cegas - 3ª parte

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Capítulo 28 – Se Começássemos às Cegas – 3ª parte


Genevieve


Além de me pedir desculpas às vezes, ela nem sempre agia como se tivesse um remorso avassalador pelo tempo que passou com os invasores. Eu já tinha visto um pouco de dor nos olhos dela antes.

Eu tinha visto algum remorso, mas era por isso que eu estava confusa – na maior parte das vezes ela parecia apática em relação a isso. Agora ela parecia um pouco magoada, porém, depois da minha experiência na outra noite, em que tive que dar a eutanásia a pessoas mordidas, eu não conseguia entender por que motivo ela não estava quebrando. Por que ela tinha que sentir imensa dor se não fosse por esses crimes?

— Não — ela respondeu — mas era apenas uma questão de tempo se eu ficasse. — Nós duas permanecemos quietas por um minuto, mas então ela sussurrou: — Isso nem é a pior coisa. — Ela fungou algumas vezes agora, e então levantou as duas mãos para limpar suas bochechas. — Não quero mais guardar isso.

— Pode me dizer — eu garanti a ela.

— Você vai me odiar muito mais, mas eu não posso — ela choramingou, porém eu fiquei em silêncio para ouvir. — Depois que a Valerie morreu eu não fiz nada, nem conversei com ninguém, nem contribuí. Eles não confiavam mais em mim, acho que eles pensaram que eu poderia tentar impedi-los de roubar ou de matar, então eles queriam me testar. — Ela respirou fundo alguns instantes e depois que a soltou novamente, parecia que havia se recomposto completamente. — Eu me senti tão vazia. Trouxeram um homem e colocaram uma arma nas minhas costas para ver a minha reação, para me fazer assistir enquanto o torturavam. — Sua voz estava tão vazia. — A culpa foi minha. Eu os vi torturarem um homem por minha causa... e não senti nada. — Se havia algo que poderia me convencer de que Hayden realmente estava morta, era isso. — Não senti nada. — O vazio era de partir o coração. — Eu não consigo lidar com a culpa, Genevieve. Eu tive que enterrá-la. Por favor, não tente trazê-la de volta.

A primeira afirmação dela foi equivocada. Não me fez odiá-la mais, nem um pouco. Eu estava tão zangada com ela desde que ela chegou aqui que fiquei cega para suas razões, no entanto essa foi a primeira vez que pude dizer que a entendia verdadeiramente. Eu ainda não podia dizer que ela não era uma assassina.

Ela havia roubado vidas inocentes, e nada poderia levar isso de volta. Mas ela não tinha sangue frio. Ela não era alguém sem coração. Eu nunca tinha visto Echo tão claramente como agora. Ela ficou danificada.

A vida depois do surto tinha levado a adolescente inocente que eu conhecia e isso a despedaçou. Levou-a de miséria após miséria até quebrá-la de tal maneira, que ela não desejava ser consertada.

Essa foi a primeira vez desde que Echo chegou aqui que eu não queria odiá-la. No entanto, aquele desejo doloroso de deixar meu ódio de lado me cortou tão profundamente que não consegui evitar que meus olhos se enchessem de lágrimas de sofrimento. Eu não podia deixar passar, pelo menos não externamente.

Tudo o que sentia em relação a ela naquele momento não era suficiente, porque minha lealdade estava ligada à memória de dois fantasmas. Eles me assombravam, constantemente me lembrando que não importava o quão pior Echo se sentisse, não importava o quanto ela se provasse para mim, ela tinha tido inegável contribuição em suas mortes.

Minha atração física por ela era forte o bastante para que deixasse o ódio se dissipar apenas um pouco e fosse o suficiente para esquecê-lo, mesmo que fosse apenas um erro momentâneo como deixá-la me tocar na cabana. Entretanto, eu nunca tinha conhecido culpa como a que me atingia depois dessas vezes que me peguei ao permiti-la entrar, a dor era excruciante. Deixar-me ir tão completamente que eu me permitiria apaixonar por ela como ela gostaria, isso me tornaria a pior espécie de traidora.

O que agora percebia que desejava, a mesma coisa a que não resisti, foi uma profanação às memórias do meu pai e do meu irmão. Eu devia isso a eles, para garantir que nunca fossem esquecidos, e isso significava que eu era obrigada a odiar Echo.

O que fez meus olhos lacrimejarem foi que essa constatação só me alertou para o fato de que, a partir de agora, eu estaria em constante sofrimento.

Eu queria Echo fisicamente, de maneira inegável e demais para resistir a ela, e eu não desejava mais odiá-la, não importava a quem eu devesse isso, porque ela não merecia.

Eu queria dar a ela uma oportunidade, mesmo que as probabilidades estivessem contra ela, mas por mais que me doesse, eu nunca poderia admitir isso para ela.

Se eu admitisse, isso lhe daria falsas esperanças, ela se esforçaria mais para ter um relacionamento do que já estava fazendo e nós duas sofreríamos mais do que já estávamos, ela sofreria mais do que já estava.




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Continua...

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Nota da tradutora: foi a primeira vez que Gen ouviu Echo sem julgamentos. O que acharam?

E sobre os Ferais, eles realmente estão se agrupando?

Comentem bastante e votem, pra essa história chegar a mais pessoas.

Caronte Atraca À Luz Do DiaOnde histórias criam vida. Descubra agora