69. Capítulo 23 - A Cidade que Dorme - 1ª parte

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Capítulo 23 – A Cidade que Dorme – 1ª parte


Stop and Stare de Fenech-Soler (Gemini remix)


A cidade que dorme


Dugan


— Seis vezes nove dividido por dois? — Perguntei a Kara em um sussurro, minha respiração saía como uma espessa névoa no ar gelado, e ela imediatamente suspirou.

Alguns dias atrás, durante nossa habitual conversa de viagem, descobri que os tutores de Kara não tinham necessariamente acompanhado sua educação pós-apocalipse. Tentei esconder dela minha reação imediata, mas ficar estarrecido é algo que não se consegue ocultar. Teria sido um pouco desculpável se eles estivessem sempre na estrada, porém, parecia que eles estavam moderadamente confortáveis na casa em que viviam antes do ataque. Se Kara fosse minha filha eu teria me assegurado de que sua educação não terminasse, pelo menos até chegarmos à escola primária e a coisas das quais eu mesmo não conseguia mais me lembrar. Degradação da sociedade ou não, ainda havia habilidades que eram importantes, como matemática básica. Desde que eu tinha feito essa descoberta, e agora que eu me considerava o tutor de Kara, mesmo que nós fôssemos iguais em quase tudo, eu a treinava em problemas de matemática. Ela se lembrava de suas tabelas de multiplicação de forma bem simples, mas agora que eu tinha começado a lhe dar equações mistas, ela estava a enfrentar dificuldades.

— Seis vezes nove — ela murmurou sob uma respiração pensativa, olhando para o concreto sob seus pés por um minuto. — Cinquenta e quatro... dividido por dois... — Então ela olhou para mim, direcionando sua lanterna ao meu rosto com cada sílaba: — Vinte e sete.

— Bom trabalho — elogiei, ao acenar com a mão para ela tirar a luz do meu rosto. Eu tinha que pelo menos dar crédito a ela por ser uma aprendiz rápida. — Como está a sua leitura?

— Está... está... hum — ela começou devagar, e depois me passou um sorriso dentuço. — Ótima. Sou uma grande leitora. — Tentei pensar na casa em que ela morava e não me lembrava de ter visto um único livro lá dentro. Então eu inclinei a cabeça para ela de maneira desconfiada. — O que você quer que eu diga? — Ela riu. — Leio como um aluno da quarta série.

— Acho que isso é bom o suficiente — ri, não querendo torturá-la muito e também não tendo meios de melhorar sua leitura. Estávamos a passear por alguma cidade no Novo México, porém, provavelmente não seria muito difícil encontrar uma biblioteca.

— Por que eu preciso continuar aprendendo, de qualquer maneira? — Ela perguntou através de um leve gemido, certificando-se de manter sua lanterna acesa novamente, dessa vez a iluminar seu próprio rosto para que eu pudesse ver exatamente o quão entediada ela parecia.

— Porque — respondi, embora estivesse interiormente feliz por haver pelo menos algumas coisas sobre as quais Kara pretendia ser infantil. — Talvez durante a sua vida as coisas melhorem, e será importante que você seja educada.

A menina simplesmente suspirou uma vez mais, ainda parecendo desinteressada, e alguns segundos depois perguntou: — Você sente esse cheiro?

— Ferais? — Imediatamente peguei minha faca.

— Não, cheira a molhado. — Kara ergueu o rosto para cima e respirou alto, e então seus ombros tremeram de repente. — Acabei de sentir uma gota de chuva — ela me disse, ao limpar o pescoço.

— Chuva? — Questionei incrédulo, ao estender as mãos com as palmas para cima. — Estamos no deserto... — Parei quando senti uma gota, e depois segurei um gemido de decepção enquanto sentia mais algumas. — Vamos lá. — Apressei-me a pedir que Kara me acompanhasse até o prédio mais próximo.

Caronte Atraca À Luz Do DiaOnde histórias criam vida. Descubra agora