Capítulo 14 – Eu Não Quero Jogar – 3ª parte
Echo
— Está tudo bem — eu disse de maneira tranquilizadora. Eu não tinha falado sobre isso uma vez sequer desde o início da infecção, mas se fosse fazê-lo um dia, agora era a hora certa. Talvez ele contasse a Genevieve e talvez ela entendesse por que eu me sentia com medo o suficiente para escolher estar com os invasores em vez de estar sozinha. — Você se lembra da semana do surto? Como tudo aconteceu tão rápido? — Blake assentiu com a cabeça em recordação. — Meu pai chegou doente em casa um dia e se fechou no quarto. Foi exatamente no momento em que nós começamos a ver isso em todos os noticiários, os militares se mobilizavam e os apresentadores de TV diziam para as pessoas não irem aos hospitais porque estavam superlotados. — Blake acenou novamente com a cabeça, e eu pude dizer que ele se lembrava perfeitamente. — Minha mãe não me deixava vê-lo porque queria que ele descansasse o suficiente. Eu estava no meu quarto na noite seguinte — e tentei me lembrar do que estava fazendo, pois já fazia tanto tempo... — Eu não... não sei, praticando no meu piano ou algo assim, e ouvi um grito. — Blake estava a me observar atentamente agora, e eu o vi se aprochegar um pouco mais do meu tronco, como se estivesse se preparando para se aproximar um pouco mais. — No momento em que eu desci as escadas, ele já tinha mordido minha mãe e minha irmã mais velha — prossegui em meu relato. — Assim que cheguei lá ele... Ele arrancou um pedaço da minha outra irmã mais velha, mordeu minha outra irmã de novo e se voltou contra mim. — A única arma que consegui encontrar em casa foi aquele martelo que estava pousado na mesa da sala de jantar, porque minha mãe colocava pregos na parede no intuito de pendurar um quadro. — Eu implorei para ele parar. Disse a ele que estava me assustando. — Havia lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Meu pai não se parecia com o aspecto que os Ferais têm agora, tão magros e sarnentos que quase não pareciam mais humanos. Meu pai estava tão doente que nem tinha tirado o terno de trabalho. Me deu vontade de abraçá-lo, como eu fazia todos os dias quando ele chegava do serviço. — Mas você sabe como é, não tem mais nada lá dentro. Bati nele com um martelo, só queria machucá-lo, fazê-lo parar, mas ele continuou a vir... Continuava vindo e se aproximando cada vez mais, até que eu o atingi tantas vezes — eu respirei fundo, mal conseguindo dizer o quanto, mesmo agora: — Ele sangrou até a morte. Depois disso desmaiei. — Fiquei tão completamente catatônica que a única evidência de que eu estava viva era meu choro constante. — Quando me recuperei, minha mãe e minha irmã, Millie, estavam apenas acordando. A febre matou a Becca. — Minha outra irmã. — Eu podia dizer que elas não estavam bem, sabe? Elas tinham a mesma expressão nos olhos que meu pai tinha. Tão vazios. — Encarei Blake nos olhos pela primeira vez e, vendo que ele parecia querer me abraçar, olhei para longe de modo vago. — Eu não tinha tanto medo delas virem atrás de mim como meu pai havia feito. Eu tinha medo de matá-las como o matei. Lentamente. Tudo o que eu tinha era o martelo, mas consegui fazê-lo rápido.
— Echo — Blake disse de maneira suave, e então parecia que ele não sabia o que falar. — Isso é horrível.
Eu contive as lágrimas, em uma tentativa de não me ofender com o que pensava ser uma acusação feita por ele. — Fiz coisas mais horríveis do que isso.
— O quê? — Ele perguntou confuso e, um momento depois, rapidamente se moveu para o meu lado. — Não o que você fez. O que houve com você. — Quando olhei para ele, quando vi a sinceridade em seu rosto, uma única lágrima escorreu pela minha bochecha. — Você sabe que a culpa não é sua, certo?
Parecia ser culpa minha. — Se houver cura — eu disse a ele, sabedora de que era uma das maiores missões dos soldados, — então foi em vão. — Ele apenas balançou a cabeça, ainda parecendo incapaz de encontrar algo para dizer. Pelo menos minhas lágrimas tinham cessado. Eu não queria parecer muito vulnerável. — De qualquer maneira, isso foi há muito tempo. Genevieve simplesmente sabe quais botões apertar. — Ele ainda não havia me dito nada, e quando olhei para ele, estudava-me com atenção. — O quê?
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Caronte Atraca À Luz Do Dia
Ficción GeneralHISTÓRIA PARA PESSOAS COM 18 ANOS OU MAIS! Sinopse Seis anos se passaram desde que uma infecção transformou a maioria da população em criaturas ferozes e semelhantes a zumbis que caçam durante o dia, forçando os vivos a um estado noturno de existênc...