9. Capítulo 3 - Deus Deixou o Chão - 1ª parte

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Capítulo 3 – Deus Deixou o Chão – 1ª parte


Boy With A Coin de Iron and Wine


Deus Deixou o Chão


Dugan


Nossa vida inteira não pisca diante de nossos olhos quando pensamos que estamos prestes a morrer. Quem quer que tenha dito isso, mentiu. Talvez nas primeiras vezes tenha acontecido dessa forma, mas não mais.

Agora eu não estava a imaginar a bicicleta azul escura com as cartas de baralho de jogar nos raios que eu tinha recebido para o meu quinto aniversário. Eu não conseguia sentir o boné e a vestimenta amarela que eu tinha usado no dia em que me formei na faculdade. O rosto da minha esposa não seria a última coisa que eu veria, nem o da minha filha. Eu não conseguia imaginar as lágrimas de alegria de minha filha no Natal em que nós havíamos comprado para ela um cachorrinho. Ou os tristes quando lhe dissemos que nós íamos partir. Não as coisas que nós tínhamos deixado para trás na evacuação. Não o pânico generalizado das semanas do surto. Ou os dias em que morreram. Os dias em que todos morreram.

Tudo que conseguia enxergar era a abertura de um longo cano prateado na extremidade do revólver pronto e devidamente engatilhado... Brilhava ao luar. As bordas pontiagudas da arma cintilavam seus reflexos ao tremer da mão instável ao redor do punho. Eu nem conseguiria ver uma luz no fim do túnel. Em vez disso, eu estava a olhar diretamente para o túnel. A caverna escura e sem fim que, a qualquer capricho, colocaria um fim à minha longa e solitária luta.

— Se você respirar eu vou colocar uma bala em seu crânio — disse o homem que segurava a arma. Sua voz era profunda e ameaçadora, mas não por maldade. Tratava-se de cautela. Já escutei o tom antes.

Sobrevivência. Era nisso que eu pensava. Como eu poderia sair vivo disso? Eu poderia jogar as mãos para o alto e me render. Talvez o outro cara esteja tão assustado como eu. Ou ele mostrava um pouco de simpatia, ou decidia que eu era muito perigoso e me mataria.

Devo sacar minha própria arma e torcer, contra todas as probabilidades, que ele seja muito lento? Não. Ele poderia até ser lento, no entanto, seu dedo já estava no gatilho. Afastar a arma e ir direto para a garganta dele. Essa parecia ser a minha melhor aposta. Então eu ouço as palavras do meu pai na minha cabeça. Tenho oito anos de novo, um grande dedo indicador preto apontado para mim em vez de uma arma, sendo repreendido porque me defendi no recreio. 'Eu não me importo com quem começou. Sua mãe e eu trabalhamos demais para você ser expulso da escola particular. Você quer que sua educação seja desperdiçada dessa forma'?

Não importava o quanto eu protestasse, quantas vezes eu chegasse em casa com o lábio machucado. A violência nunca era a resposta. Minha mãe, olhos castanhos escuros cheios de lágrimas carinhosas: 'Você dá a outra face. Mate-os com gentileza, com bondade. Tudo o que um valentão quer é um amigo'.

Será que uma vida humana vale o risco para mim? Lancei um olhar ao redor do cano para o homem que segurava a arma. Ele era velho, cabelos brancos refletiam o brilho pálido da lua, bigodes apimentados se contorcendo ao redor do conjunto rígido de sua boca. Olhos sem brilho algum, quase incolores me observavam atentamente, profundos e cansados com as pesadas marcas debaixo deles. Ele era magro também. Franzino e frágil sob sua camisa jeans de manga comprida, o jeans seguro em seus quadris apenas por um cinto de couro, apertado até o último entalhe. Eu poderia derrotá-lo. Engraçado como, no fim do mundo, foi quando as pessoas explodiram em violência. Lembro-me dos dias do surto, todas as pessoas lutavam para fugir das cidades, atropelavam umas às outras na correria.

Caronte Atraca À Luz Do DiaOnde histórias criam vida. Descubra agora