Prólogo

863 66 44
                                    

Noite de céu estrelado.

Dulce sentiu o peito queimar de dor, sua vista embaçou ao tentar encarar a escuridão brilhante sobre si.

Pensou em Dante. Pensou no quanto ele sofrera, no corpo magro e sem vida que agora tinha, nos olhos sem brilho, na confusão visível em que se encontrava.

Haviam tirado tudo dele. Não restara nada.

Branco. Preto. Luzes.

Dulce sentiu frio, sua vista formou a imagem de barras de ferro no veículo em movimento, diversos braços cruzavam sobre si e diziam frases que ela não era capaz de entender.

Pensou em Christopher. Pensou no quanto ele estaria assustado, em como sentiria falta dela, se ela não o acompanhasse naquela eleição.

Havia se apaixonado intensamente e o perdera da mesma forma. Não restara nada.

Olhos claros. Macacão azul.

Dulce sentiu cada esforço de seu pulmão enquanto a máscara de oxigênio lhe ajudava a recuperar a força para abrir os olhos, notou o sorriso amável da dona daquela imensidão de olhos claros.

Pensou em Fernando. Pensou no quanto o pai ficaria sozinho, em como sua – falta de – vida impactaria a dele.

Havia se perdido por amor outra vez. Havia se entregado. Não restara nada.

Branco. Luz. Branco. Luz.

Dulce sentiu a mistura improvável e incômoda do calor e do frio sobre si, tudo ao redor agora parecia correr mais rápido, e as vozes haviam se tornado mais sérias e autoritárias.

Pensou no filho que carregava dentro de si. Pensou no quanto precisava ser forte, no quanto queria aquela criança em seus braços.

Havia dentro dela uma única razão para sobreviver, sem ela nada faria sentido.

Não encontraria mais nada.

Luz baixa. Saída de ar. Silêncio.

Dulce sentiu o corpo cansado, tanto esforço parecia ter lhe tirado o pouco de energia que ainda guardava dentro de si.

Novos olhos agora a encaravam, o rosto era escondido pela máscara cirúrgica azul, mas ela notou o sorriso pelas bochechas elevadas da loira de roupa verde.

— Não se assuste, Dulce. – a mulher disse, parecendo ler os pensamentos confusos que a morena tinha. – Sou a doutora Morgado, vou cuidar de você.

— Hm. – Dulce levantou a mão, tentando alcançar a máscara de oxigênio que tinha sobre o nariz e a boca.

— Fique calma. – tocou-lhe a mão. – Você está ferida, mas prometo que cuidaremos de você da melhor forma.

— Hm. – alcançou a máscara, puxando-a para baixo. – Estou... estou...

— Preciso que se acalme, por favor. Faremos a cirurgia para cuidar de você. – tentou colocar a máscara nela outra vez. – Dulce, por favor, eu preciso...

— Estou grávida. – colocou a mão sobre a dela e viu os olhos surpresos da médica. – Eu estou grávida.

— Vamos cuidar de vocês. – e por debaixo da máscara, contraiu os lábios. – Faremos o possível para que fiquem bem.

— Salve o meu filho primeiro. – encarou-a.

— Nós vamos nos esforçar para fazer o melhor para ambos. – colocou a outra mão sobre a dela. – Está bem assim?

— Se eu perder, por favor, faça a laqueadura. – viu a médica franzir o cenho. – Faça.

— Dulce, nós vamos nos empenhar...

— Faça a laqueadura. Faça e não conte a ninguém. – a lágrima escorreu pela lateral do rosto. – Estou consciente e esse é o meu desejo.

— Você é jovem para...

— Salve a nós dois ou faça a laqueadura. – interrompeu-a e colocou a máscara novamente sobre o nariz e a boca.

Os olhos mantiveram-se presos contra os da médica, a decisão firme lhe custava o resquício de vida que ainda carregava em sua alma.

Estava presa ao silêncio, aquele era seu último grito de esperança.

Jogada ParalelaOnde histórias criam vida. Descubra agora