O acordo

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O domingo amanhece no Afeganistão, Saleh acorda demonstrando uma tristeza enorme em seu semblante, pois iria fechar um acordo de casamento o qual não queria. Ele conhecia Amira desde muito jovem. Ela ia sempre em encontros na casa de seu pai e, de certa forma, já existia um certo acordo tácito que eles seriam esposos no futuro.

Quando ele completou 16 anos, eles chegaram a afirmar em um encontro que, possivelmente, aquela bela jovem, na época, com 11, seria a sua futura esposa para continuar a união daquelas famílias que tradicionalmente realizavam matrimônios entre si.

Saleh, seu pai e seu irmão mais velho, foram então a casa da família de Amira e ele a viu por alguns instantes, quando foi servido com alguns quitutes preparados por ela, enquanto estavam na sala a conversar sobre aquele acordo.

Amira era uma jovem encantadora. Era extremamente bonita e prendada. Tinha um charme diferenciado. Os seus olhos eram verdes escuros e seus cabelos eram pretos, lisos e longos. O seu rosto era extremamente harmônico e delicado. Logo que encontrou com Saleh ela deu um sorriso irradiante e ele em resposta também sorriu, encantado com a beleza daquela que provavelmente se tornaria a sua futura esposa.

Entretanto, passados alguns segundos da saída daquela jovem da sala, na cabeça de Saleh, vieram os pensamentos em Aisha e aquele encantamento se esvairia. Ele fica ansioso e sente o seu corpo a tremer, enquanto o seu pai conversava com o pai de Amira, que estava muito feliz por poder selar aquele compromisso.

Depois de alguns minutos a conversar sobre os detalhes daquele matrimônio, eles chegam a um acordo. No Afeganistão, diferentemente de outros países, o dote é dado pelo homem ao pai da noiva, portanto, o pai de Saleh daria um valor substancial ao pai de Amira para que aquele matrimônio fosse concretizado.

O casamento seria marcado para meados do mês de junho, durante o verão naquele país, quando as terras estão em um período mais quente, ideais para a realização de uma comemoração farta, como era esperado para um casamento de tamanha importância. Aquele seria um dos eventos mais esperados pela oligarquia daquele país no decorrer daquele ano.

Com aquele acordo selado, Amira entra na sala novamente e sorrindo muito cumprimenta toda a família, incluindo Saleh, que se mostra muito cordial naquele momento. Como também era um rapaz muito bonito, Amira estava muito feliz por poder se casar com ele. Ela era uma mulher do lar, como era comum naquela cultura. Não realizava trabalhos fora de casa e havia estudado apenas o básico. Era extremamente prendada nos afazeres domésticos, um dos fatores que mais se valorizam nas mulheres daquele país.

Ao final daquele encontro, a família de Saleh vai para casa e o seu pai preparou uma comemoração em família, regada a muita comida e música. Com aquele acordo selado eles conseguiriam três coisas importantes: primeiramente, uniriam a sua família a uma das mais tradicionais daquele país; o segundo ponto é que eles tirariam Saleh da Inglaterra e ele seria obrigado a retornar para o Afeganistão e, finalmente, eles estavam contentes também porque tirariam Saleh definitivamente de próximo de Aisha, a quem eles julgavam que ele estava a ter sentimentos amorosos muito intensos.

Após algumas horas em meio a aquela comemoração, Saleh vai para o seu quarto com imensa saudade de Aisha. Ele entra no seu computador e a encontra on-line. Na Inglaterra Aisha estava triste, parecia que estava a adivinhar que aquele acordo havia dado certo e que o seu melhor amigo teria mesmo que retornar ao seu país de origem para se casar com Amira. Quando então ela recebe a primeira mensagem de Saleh:

(Saleh) – Boa noite Aisha! Que saudade de você!

(Aisha) – Boa noite Saleh! Eu também sinto muito a sua falta. Como estão as coisas por aí?

(Saleh) – Acho que fiz aquilo que era a minha obrigação no dia de hoje. Fui a casa de Amira e nossas famílias fecharam o acordo quanto aos termos do casamento. Mas, eu não consigo sentir alegria por isso ter acontecido.

Aisha naquele instante engole seco. Tudo havia ocorrido de acordo com o que ela imaginava. Ela poderia estar perdendo um grande amor naquele momento e não tinha nada que pudesse fazer para tentar lutar por ele. Ela sabia que qualquer ação que tentasse poderia colocar em risco, inclusive a sua integridade e a de Saleh, tamanha a importância daquele evento para aquela comunidade tradicional do Afeganistão. Tentando não maltratar o coração do seu amigo, mesmo sentindo lágrimas a cair dos seus olhos, ela escreve:

(Aisha) - Você fez aquilo que tinha que fazer Saleh. Você fez aquilo que havia prometido aos seus pais. Deve se orgulhar da sua ação! Eu estou muito feliz que deu tudo certo. Espero que você tenha muitos filhos e uma família muito próspera.

(Saleh) – Se esse acordo fosse com a sua família Aisha, eu tenho certeza que estaria muito mais contente nesse momento.

(Aisha) – Se esse acordo fosse com a minha família Saleh, os seus pais jamais aceitariam e você sabe disso! Você sabe como as coisas na nossa cultura funcionam. Em um caso como esse, você não pode ir contra aquilo que combinou com os seus pais.

(Saleh) – Eu sei Aisha. Eu sei e entendo tudo isso que você está a me dizer, mas é tão triste não poder casar com quem efetivamente se ama!

(Aisha) – Saleh, você não pode falar isso para uma mulher casada! Isso já é pecado!

(Saleh) – Não sabemos o paradeiro do seu esposo Aisha. Nem sabemos se você ainda está casada.

(Aisha) – Antes que saibamos o que aconteceu, não é bom que se fale dessa forma. Você sabe que esse é um pecado muito sério para a nossa religião.

(Saleh) – Você está certa Aisha. Me perdoe por ter escrito dessa forma.

(Aisha) – Tudo bem Saleh! Alguma notícia sobre a minha família?

(Saleh) – Não Aisha, nesses dias ainda não tive possibilidade de conversar com os meus amigos. Foi tudo muito corrido por aqui. Mas, amanhã os procurarei logo pela manhã. Acredito que eles encontrarão informações sobre o paradeiro de Osnin.

(Aisha) – Eu espero que encontrem. Eu não vejo a hora de ter notícias dele!

Os dois conversam então por mais algumas horas naquele programa de mensagens instantâneas e tudo aquilo era repassado, quase que em tempo real ao pai de Saleh, que estava no seu escritório, dentro daquela casa em que seu filho trocava aquelas mensagens. Ele ficou muito furioso ao receber aquelas informações e entendeu que o sentimento existente entre os dois estava realmente muito intenso e que ele precisava arrumar formas de separá-los para evitar problemas naquele matrimônio.

O pai de Saleh tinha em mente que depois dele fechar aquele acordo o seu filho ficaria mais tranquilo e entenderia que tinha responsabilidades, inclusive, de não dizer que tinha sentimentos por outra mulher, pois, isso poderia se transformar em um escândalo de enormes proporções naquele país, caso essa informação vazasse. Entretanto, nessa conversa com Aisha, ficou muito claro que essa expectativa, de que seu filho tivesse mais prudência, provavelmente, não se cumpriria e que ele teria que tomar ações mais diretas para separar aqueles dois.

Ele conseguiu informações novas sobre o passado de Aisha naquela conversa por mensagens. Osnin, provavelmente, pelo contexto apresentado naquele diálogo, era esposo daquela jovem e ele a mantinha impedida de se relacionar com outro homem. Buscar informações daquele senhor poderia ser providencial para que aquela jovem fosse afastada definitivamente do seu filho e esse seria o próximo passo tomado por aquele importante homem ligado ao governo afegão.

Na segunda-feira, Saleh acorda logo pela manhã e vai à casa de alguns amigos militares que conhecia para conversar com eles sobre Osnin. Ele queria saber informações daquele senhor e os seus amigos se comprometeram a buscar os registros daquele homem e lhe informar assim que descobrissem alguma coisa. Saleh os agradeceu intensamente e retornou para casa. Na tarde daquele dia ele se despediu de toda a sua família, pegou o avião e voltou para a Inglaterra.

Casamento forçado e abusivo IIOnde histórias criam vida. Descubra agora