O encontro com o pai

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Assim que se aproximou da recepcionista, Aisha questionou:

- Eu estou procurando informações sobre o senhor Mohamed Cazir.

- A senhora é parente dele?

- Sim. Eu sou a filha dele. Afirma Aisha com um sorriso no rosto.

- Interessante, nos registros dele consta que ele tinha uma filha que supostamente morreu durante a guerra. Afirma aquela senhora surpresa.

- Eu sou Aisha senhora. Pode ser que tenha havido mesmo um engano, pois, algumas pessoas suspeitavam mesmo que tivesse morrido. Mas, felizmente o que consegui foi me mudar para um outro país durante a guerra. Afirma Aisha, quando apresenta os seus documentos para aquela senhora.

- Que bom que tudo ficou bem senhora Aisha. O senhor Mohamed Cazir está em uma das alas do nosso alojamento, mas, ele não está a reconhecer ninguém. Eu posso te levar até lá. Quem sabe ele não te reconhece e recupera parte de sua memória.

- Podemos tentar. Afirma Aisha esperançosa e ao mesmo tempo ansiosa para reencontrar o seu pai biológico.

Elas foram caminhando pelos corredores de algumas salas daquele hospital, que na verdade era uma grande casa, que foi improvisada por uma Ong para se tornar um hospital psiquiátrico. Depois de percorrer por alguns segundos os corredores, a recepcionista entrou em um dos quartos e Aisha logo percebeu que era o seu pai em uma das camas. Nesse momento o seu coração bateu mais forte e ela foi correndo para próximo dele, com o intuito de abraçá-lo, já com lágrimas a percorrer as suas bochechas.

Assim que chegou ao lado dele, ela o abraçou, mesmo com ele deitado sobre a cama e beijou o seu rosto. O seu pai estava bem mais velho e franzino do que da última vez que o viu. O seu semblante era de sofrimento e ele parecia que não estava a reconhecê-la durante aqueles primeiros momentos. O seu olhar era passivo, assim como o seu semblante. Ele estava extremamente magro.

Aisha então questionou esperançosa:

- Pai. Sou eu, Aisha, a sua filha, o senhor está me reconhecendo?

Mohamed, como estava há muitos anos, não esboçou nenhuma reação. O seu olhar era distante e passivo, ele nem mexeu a sua boca. Quando Aisha insistiu e questionou novamente:

- Pai. Por favor, se está se lembrando e mim, me dê um sinal. Eu te amo meu pai e percorri muitos quilômetros para te ver novamente. Por favor... Suplicou Aisha enquanto lágrimas escorriam de seus olhos com ainda mais intensidade. Mas, Mohamed novamente não esboçou nenhuma reação.

Aisha então pegou a mão de seu pai, que estava na cama e a apertou bem firme, tentando sentir a segurança que aquele senhor lhe dera quando era uma menininha. Ao olhar para o pai, muitas lembranças vinham em sua memória e lágrimas percorriam os seus olhos de forma quase que constante.

A enfermeira ficava a observar a sua emoção, feliz por ter presenciado aquele reencontro. Era uma pena que Mohamed, como ocorria desde que entrou naquele hospital, não esboçou nenhuma reação.

Ela ficou ao lado de seu pai por mais de duas horas tentando conversar com ele sobre o passado. Quando viu que ele não respondia, Aisha se despediu dele, apertando bem a sua mão, prometendo retornar no dia seguinte. Novamente Mohamed não teve reação. Estava totalmente passiva perante a fala dela.

Aisha então conversou um pouco com uma enfermeira que administrava aquele hospital, querendo saber informações sobre o seu pai. Quando a profissional afirmou que a única coisa que já ouviu da boca de Mohamed era o nome Aisha, quando ele estava a ter pesadelos noturnos. Aquele senhor, provavelmente tinha um quadro de estresse pós-traumático causado pela guerra e não esboçava nenhuma reação enquanto estava consciente, desde que chegou naquele hospital, em meados do ano de 2006, vindo ainda ferido de um outro hospital que cuidava de pessoas atingidas em meio a conflitos.

Assustada, ela questionou:

- Já faz todo esse tempo que o meu pai está aqui imóvel?

- Infelizmente sim Aisha. Como te disse, ele não fala, não reage aos nossos estímulos. Temos que alimentá-lo, quase sempre com comidas líquidas, pois é a única coisa que ele aceita comer. Ele só interage com a gente nesse momento. Mas, não diz nada e continuar com um comportamento passivo nos momentos seguintes.

- A senhora já viu isso antes com algum outro paciente?

- As reações de uma pessoa que passou pelo estresse da guerra são muito diversas Aisha. A guerra pode deixar traumas nas pessoas e mudá-las pelo resto da vida. O seu pai foi para o hospital muito ferido. Pelo que contam, uma bomba caiu ao seu lado. Por testes de reflexo, chegamos a conclusão de que ele perdeu boa parte da sua audição também.

Após aquela fala, Aisha engoliu seco, pensando no terror que o seu pai pode ter passado para se encontrar naquela situação. Então ela questiona:

- A senhora acha que há alguma condição do meu pai retomar a consciência?

- Nós o estimulamos por muitos anos para isso Aisha. Achamos que é necessário ocorrer algo muito extraordinário para que isso ocorra. E a sua presença aqui é algo extraordinário. Você era dada como morta por todas as pessoas dessa comunidade. É muito bom te ver viva, bem e com saúde.

- Posso dizer que tive muita sorte na vida senhora. Felizmente encontrei pessoas boas que me ajudaram a viver.

- Eu fico feliz por isso Aisha. Bem, eu preciso atender outros pacientes.

- Eu não tomarei mais o seu tempo senhora. Muito obrigada pelos esclarecimentos. Fico feliz que, pelo menos, em sonho ou pesadelo o meu pai tenha alguma lembrança de mim. Vejo isso como um ótimo sinal.

- Sim. Isso demonstra que o cérebro dele, de alguma forma, ainda possui algumas memórias do passado. Eu torço muito para que ele retome a consciência algum dia, mesmo sabendo que dificilmente ele voltaria a ter uma vida normal, pois, os seus membros inferiores estão atrofiados.

- Eu entendo senhora. De qualquer forma, muito obrigada! Só de ver que o meu pai está sendo bem cuidado por sua equipe eu já me sinto melhor. Eu vou para uma pousada e amanhã retorno para vê-lo.

- Que a paz do senhor esteja com você Aisha.

- Que a paz do senhor esteja com a senhora também. Bom trabalho!

Aisha saiu daqueles corredores e agradeceu a recepcionista pela ajuda e por ter a levado a aquele reencontro com o seu pai biológico. Por um lado ela estava triste, por ter encontrado o seu pai naquele estado vegetativo, por outro, ela estava se sentindo, em certa medida, bem, por ele estar sobre bons cuidados daquela enfermeira.

O hospital em que o seu pai estava internado pertencia a uma Ong internacional que prestava serviços no país às pessoas atingidas pela guerra. Com esses recursos eles conseguiam pagar os profissionais e dar uma qualidade de vida melhor para os cidadãos que estavam a sofrer aqueles traumas.

Assim que saiu, Aisha encontrou com o guarda-costas que estava a conversar com pessoas que passavam pelas ruas e o agradeceu por ter a levado até o seu pai. Eles foram para a pousada e lá Aisha jantou e em seguida foi para os seus aposentos tentar dormir após aquele dia movimentado e de muitas emoções.

Aquela noite ela teve muitos sonhos de momentos bons que teve com o seu pai durante a infância. Coisas que ela nem lembrava mais direito, como o momento em que ele a ensinou a montar em seus animais de transporte. A paciência com que ele a ensinava, contrastava com os momentos em que ele apresentava maior rudez.

Mohamed era um homem de extremos, por algumas vezes era cuidadoso, por outras era violento. Aisha tinha que escolher quais os pontos destacaria mais em sua memória, se era o lado bom ou o ruim de seu pai. Durante aquela noite o seu cérebro estava generoso e preferiu a mostrar o lado bom daquela relação e o carinho daquele pai para com a filha.

Casamento forçado e abusivo IIOnde histórias criam vida. Descubra agora