A pressão

152 17 6
                                    

Aisha estava aterrorizada com aquela história, mas, ao mesmo tempo, queria saber o que aconteceu em seguida. Quando pediu para que Sônya continuasse a relatar, ela deu uma pausa e lágrimas começaram a percorrer os seus olhos, o que assustou Aisha ainda mais intensamente. Com uma voz embargada, Sônya continuou a descrever as ocorrências naquele acampamento.

Aquela primeira noite nós conseguimos passar com uma certa tranquilidade. Era servida uma espécie de sopa, duas vezes ao dia e nós conseguimos nos alimentar e dormir naquela barraca que conservava uma temperatura mais suportável. Parisa não saiu da barraca por nenhum segundo sequer.

Com medo de ser abordada por alguém, pela agressão que fez ao senhor Youssef, ela preferiu ficar com fome na barraca, já que só pude pegar uma porção daquele alimento, por ser adulta. A porção foi dividida entre as crianças e quando a ofereci, ela em um certo estado de choque, não aceitou. Penso que ela tenha ficado com receio de comer e sobrar menos alimento para mim e para as crianças.

Logo que amanheceu, fomos surpreendidas por homens que chegaram a nossa barraca e pediram para que juntássemos nossas coisas. Imediatamente olhei para Parisa, já sabendo que ela tinha informações que não queria nos relatar. Com um olhar triste, ela começou a pegar as nossas coisas, já imaginando que seríamos expulsas daquele acampamento.

- Hoje, depois de tudo o que aconteceu, penso que poderia ter sido até melhor se isso tivesse mesmo ocorrido. A vida naquele lugar não foi nada fácil. Afirma Sônya com um semblante triste, com os seus olhos ainda marejados.

- Eles não expulsaram vocês? Questionou Aisha preocupada.

- Não. O senhor Youssef queria se vingar de Parisa. Na visão dele, expulsar, seria algo brando demais. Respondeu Sônya com um olhar desolado, deixando Aisha ainda mais apreensiva.

Eles nos levaram para um lugar mais ao fundo daquele acampamento. Ao chegar lá, já notamos que as pessoas estavam em algumas barracas mais antigas. Aquela parte do campo de refugiados tinha menos condições sanitárias do que o local em que fomos colocados em um primeiro momento. Ao olhar para as mulheres e crianças, era nítido que eles estavam sendo menos alimentadas do que no lugar em que estávamos. Aquele ponto era fétido e mal cuidado.

Com tristeza nós entramos em uma barraca com muitos buracos em meio a sua lona e logo um homem deu um recado do senhor Youssef:

- O senhor Youssef disse que também pertencia ao grupo Talibã e por isso colocou vocês na parte mais interessante desse acampamento. Mas, por não ter tido o seu agrado retribuído por uma de vocês, ele decidiu colocar vocês junto as pessoas de segunda classe desse país, pois achou o lugar mais conveniente para a sua família. Se quiserem retornar para onde estavam ontem, essa mulher. Disse ele apontando para Parisa: - Precisa ir lá pedir perdão pelo que fez a ele e aceitar a proposta que ele a fez na noite de ontem. Então, após essas fala, aquele homem nos deixou naquele local e saiu andando.

O semblante de Parisa era de ainda mais terror. Nesse primeiro momento, ela não quis dizer qual havia sido a proposta daquele senhor. Mas, a minha mente já suspeitava. O olhar das pessoas das barracas vizinhas era de reprovação para a nossa família. Eles eram de grupos rivais aos talibãs que pediram abrigo naquele local por fugirem das guerras constantes que haviam naquele território. Durante todo aquele tempo foram maltratados, por pessoas da nossa etnia e achavam que todo o sofrimento deles era, também, de nossa responsabilidade. Ficou claro para nós, que não éramos bem-vindas naquele espaço, mas não podíamos ir para outro lugar a não ser que Parisa agisse de acordo com os desejos daquele senhor.

- Que situação terrível. Disse Aisha.

- E ficou pior. Respondeu Sônya.

Naquele local, descobrimos bem o que é ser considerado de segunda classe em um campo de refugiados. Não tínhamos acesso a quantidades suficientes de água potável. A sopa que nos foi oferecido no almoço, era muito pior do que a da noite anterior. Durante os outros horários não recebemos nenhum alimento e anoite não recebemos o jantar.

- Que coisa terrível! Afirma Aisha assustada.

- As crianças ficaram horrorizadas a chorar de fome naquela noite. Fomos a casa dos vizinhos para saber se era daquela forma que aquele campo funcionava, mas fomos escrachadas em todas as barracas que visitamos.

- Mas, como esse senhor talibã ficou no poder daquele campo mesmo depois do exército contrário invadir aquelas terras? Questiona Aisha surpresa.

- Pouco antes de chegarmos naquele campo de refugiados, as famílias que comandavam aquela região trocaram de lado. Pouca coisa mudou de forma prática. Os homens que estavam no comando da política e dos campos de refugiados continuaram os mesmos, mesmo depois da queda do regime.

- Que coisa horrível! Vocês estavam então lidando com os talibãs no poder, disfarçados de outro grupo?

- Não que isso fosse ruim Aisha. A minha família é da mesma origem dos talibãs. Sempre tivemos regalias quando o talibã administrou essas terras. O nosso esposo era talibã. Para o nosso povo, aqui era uma terra boa para se viver. O problema é o contexto em que vivíamos naquele local, porque Parisa não aceitou ceder as pressões daquele senhor.

- E você acha que ela estava errada?

- Claro que não. Em um primeiro momento, eu teria feito o mesmo que ela. Ainda éramos mulheres casadas a aquela altura e segundo a nossa cultura, se aceitássemos aquelas pressões, estaríamos cometendo adultério, algo que é tão sério que é punível com a morte por apedrejamento.

- Pois é. É isso que eu acho também. Afirma Aisha com um semblante preocupado.

A questão é que a situação foi só piorando. Com o tempo passando e não recebendo alimentos na quantidade adequada, nós e nossos filhos estávamos a perder peso. Todos estavam muito fracos e Parisa chegou a pensar várias vezes em ir conversar com aquele senhor. Foi quando ela começou a me contar o que havia ocorrido naquele primeiro dia, me questionando em seguida o que ela deveria fazer. Tudo que eu dizia a ela é que qualquer ação que ela tomasse, teria o meu apoio.

- E o que ela decidiu? Questiona Aisha.

- Parisa, depois de um mês que estávamos naquelas condições, recebendo comida, no máximo duas vezes ao dia, estava decidida a fazer o que era certo e não ceder as pressões daquele senhor. Mas, a fome e a tristeza ao ver os filhos definhando daquela forma, estavam pesando muito para que ela mudasse de ideia e fizesse o que aquele homem queria. Foi uma fase muito difícil para a nossa família. Afirma Sônya, quando Aisha responde com um semblante triste:

- Eu posso imaginar.

Casamento forçado e abusivo IIOnde histórias criam vida. Descubra agora