A chegada ao campo de refugiados

151 16 4
                                    

Após a partida daqueles homens, caminhamos rapidamente em direção a uma estrada que ligava até aquele campo de refugiados. Depois de tanto tempo a viajar, estávamos todos cansados e não víamos a hora de chegar naquele local e saber se poderíamos nos estabelecer naquele ponto.

Durante todo aquele trajeto, avistamos apenas um carro a passar por aquela estrada e chegar ao campo. Aquele era um lugar que parecia estar bem distante de tudo. Não vimos mais a movimentação de ninguém fora dele, mas, a medida que fomos aproximando, começamos a ouvir vozes e avistamos que o campo era muito grande. Muitas famílias moravam ali.

Quando chegamos na porta de entrada, já estava quase a escurecer. Um homem nos atendeu e questionou o que queríamos naquele local, quando respondemos que estávamos fugindo da guerra e procurávamos abrigo e alimento. Logo ele nos deixou entrar e nos levou em meio a aquelas dezenas de barracas até a única casa de alvenaria que existia naquele espaço.

Entramos em uma casa grande, que tinham alguns locais para que as pessoas se banhassem. Passamos por alguns escritórios, até que chegamos ao local em que o presidente daquele campo estava. Logo ele nos apresentou o senhor Youssef, era um homem de aproximadamente 60 anos de idade, com barbas longas e brancas, franzino e que apresentava um olhar curioso.

Assim que entramos em sua sala, ele questionou: - Quem são vocês? Somos refugiados senhor. Estamos fugindo da guerra e queríamos encontrar abrigo nesse campo. Será que podemos ficar aqui? Questionou Parisa. Ele então respondeu: - Vocês precisam fazer um cadastro para que possa alocá-las em uma de nossas barracas. Mas, antes, preciso ver vocês. Eu quero que tirem a burca.

- Me lembro que nesse instante Parisa recuou um pouco assustada. A burca era uma roupa muito comum, utilizada em praticamente todo o território do nosso país. Eram bem-vistas as mulheres que a usavam e quando chegamos no vilarejo, percebemos que muitas mulheres estavam a usá-las. Nós não entendemos muito bem o porque aquele senhor estava a fazer aquela exigência. Relata Sonya.

- E o que vocês responderam Sônya? Questiona Aisha.

- Parisa disse a ele que era uma mulher casada, pertencente ao antigo regime. E que, segundo a sua cultura, não era permitido tirar a Burca e se mostrar para outro homem.

- E o que ele respondeu?

- Ele demonstrou irritação e disse que só poderíamos nos alocar naquele espaço se nos apresentássemos para ele. Me lembro que Parisa disse que não tinha uma roupa apropriada para fazer isso, pois estava apenas com a burca, mas, ele estava irredutível. Deu uma roupa a ela e pediu para que ela se trocasse em um banheiro daquela sala. O mesmo ele ordenou para mim. Em meio a conversa, ele afirmou que o talibã não mandava mais no país e que não seria autorizado que mulheres andassem totalmente cobertas daquela forma nos acampamentos. Nós achamos aquilo muito estranho, mas, vimos que não tínhamos outra alternativa e fomos nos trocar, deixando as crianças naquela sala. Comenta Sônya, quando continua a falar: - Assim que nos trocamos, entramos naquela sala e aquele senhor nos recebeu com um olhar de surpresa. Logo ele começou a fixar o olhar para Parisa. Ele parecia contemplar a beleza dela o tempo inteiro. Os olhos de Parisa eram mesmo muito belos, por isso, ela não gostava de se mostrar em público. Além disso, o seu corpo e seus cabelos também eram muito bonitos.

- Sim. Eu me lembro bem de Parisa. Ela realmente era muito bonita! Afirma Aisha.

Aquele senhor nos pediu para que escrevêssemos o nome dos membros da nossa família. Mas, nunca havíamos ido a escola, porque as nossas famílias não nos permitiam, então não sabíamos escrever. Irritado, ele começou a pegar o nome de cada um e colocar no papel.

Assim que finalizou, ele chamou um dos homens que estavam na sala vizinha e pediu que ele nos acompanhasse até uma barraca, onde nossa família seria alocada. Antes mesmo que partíssemos, ele pediu para que Parisa ficasse mais um pouco, que ele queria conversar com ela a sós.

- Pouco depois de meia hora em que estávamos organizando nossos pertences dentro da barraca separada para a nossa família, Parisa chegou. O seu semblante estava aterrorizado. Eu insisti muito para que ela me dissesse o que ele queria, mas, ela não quis me dizer. Eu penso que ele ameaçou ela já naquela noite. Afirma Sônya com um semblante triste.

- O que ele queria com ela? Depois vocês descobriram? Questiona Aisha.

- Sim. Depois tudo começou a fazer sentido. Aquele homem, na verdade, ficou imediatamente enfeitiçado pela beleza de Parisa e ao ver que ela não tinha um esposo por perto para protegê-la, ele tentou forçá-la a se relacionar com ele.

Aisha engole seco e questiona:

- O que ele fez?

- Eu vou te contar tudo o que aconteceu naquele local. Afirma Sônya com um semblante triste ao se lembrar das ocorrências daquele período. Enquanto Aisha se mostrava ainda mais assustada.

Pouco a pouco Parisa foi me contando o que estava a acontecer. Já naquele primeiro dia, aquele homem fechou a porta de sua sala e começou a tocar em seu rosto, algo que é proibido de acordo com a nossa cultura. Ela ficou desesperada se esquivando dele, quando ele disse que mandava a desmandava naquele local, que ela estava em suas mãos e que ele definiria se a família dela teria direito de ficar ou não naquele acampamento.

Em um primeiro momento, ela insistiu em não ceder as pressões que aquele senhor fazia. Mas, ele foi ficando cada vez mais agressivo e abusado em suas ações. Quando ele a pegou pelos braços, ela lhe deu um forte empurrão como resposta. Como aquele senhor era mais velho, ele caiu longe depois de se chocar contra a parede e começou a gritar de dor. Imediatamente Parisa saiu correndo.

- Antes de sair, ela só se lembra de ter escutado ele esbravejando, dizendo que poderia surrá-la naquele momento, mas que não faria isso. Que ele iria deixar o tempo passar, que ela ainda imploraria para satisfazer os desejos dele. Afirma Sônya.

- Que horror! Responde Aisha, quando questiona: - E o que mais aconteceu?

- Parisa me contou que saiu correndo em meio a aquelas barracas, com muito medo que a pegassem pelo caminho. Ela questionou a aquelas pessoas, se eles haviam visto onde alocaram uma mulher e algumas crianças recém-chegadas e lhe informaram em qual barraca estávamos. Quando Parisa chegou, eu me lembro do seu semblante até hoje. Ela estava parecendo que ia para um matadouro. Nem mesmo quando Osnin estava furioso prestes a puni-la ela ficava tão desesperada o quanto estava naquele momento. Mas, para poupar a mim e os filhos, ela não disse nada do que havia ocorrido naquele primeiro momento.

- Que horror tudo isso! Eu sinto muito. Disse Aisha com um semblante triste.

- Somente depois de alguns meses, ela teve a coragem de me dizer que, naquela noite, depois do ocorrido, o senhor Youssef havia dito que ela ainda imploraria para se deitar com ele um dia. Foi uma noite muito aterrorizante para ela. Afirma Sônya com um semblante triste, quando Aisha olhou perplexa para ela, tentando imaginar o que aconteceu depois disso.

Casamento forçado e abusivo IIOnde histórias criam vida. Descubra agora