Casamento forçado e abusivo II

A preparação para as férias

A semana anterior a realização daquela viagem foi de muito trabalho e quando chegava em casa, muita conversa com Caivan e Rashid. Em meio a aqueles diálogos, Aisha rememorava muitas coisas de seu passado, como o dia em que decidiu sofrer todas as consequências de não contar a verdade para o seu pai, quanto a quem era o dono do livro sagrado que estava escondido em sua casa.

Só de se lembrar da violência em que seu pai lhe castigou naquela ocasião, a ponto de seu corpo quase não suportar todo aquele sofrimento, Aisha sentia arrepios. Mas, na visão dela, aquilo era coisa do seu passado e, após muitos anos de terapia, ela conseguiu entender que aquilo não se repetiria novamente em sua vida e que deveria tentar ressignificar aquelas situações para viver melhor.

Haviam duas curiosidades importantes que ela tentou descobrir de Caivan que ele não a contou em nenhuma das conversas. O que havia acontecido com os seus pais depois daquela mudança? E porque ele havia mudado de religião? Esses mistérios a intrigavam muito, especialmente, pelo fato de que quando ela conheceu Caivan ele era extremamente devoto a religião Cristã.

Mesmo diante desses fatos curiosos, Aisha não temia nada com relação a aquele primeiro amor. Caivan, no imaginário de Aisha, era aquele mesmo menino que a apoiava em tudo e poderia ajudá-la a criar forças para vencer qualquer obstáculo. Ele era também um homem compreensivo e carinhoso, assim como demonstrava durante as suas longas conversas através dos bate-papos e também por telefone. Ele era amoroso e fiel como pregavam os seus livros sagrados e ele citava constantemente para ela. Ele era o homem perfeito para se construir uma grande família, nos moldes do que prega as suas crenças e sua cultura, diferentemente do modelo Ocidental.

Toda aquela luta para salvar a vida daquele adolescente, enfrentando o seu pai em meio a toda aquela violência, não poderia ter sido em vão. No íntimo, Aisha sabia que teria a oportunidade de encontrar Caivan novamente em sua vida e construir tudo aquilo que não puderam devido ao contexto do seu passado. Ela sempre esperou por isso e agora ela estava mais próxima do que nunca de realizar o seu sonho! Nada a impediria de alcançá-lo. Pensava ela.

Por alguns momentos, no decorrer daquela semana, ela chegou a pensar em sua chegada na Inglaterra e tudo que viveu junto a sua família. Em uma das noites, ela se lembrou que depois daquela conversa que teve com a irmã na casa de seus pais, o clima ficou muito ruim e elas não conversaram mais. Depois dessa reflexão, ela até pensou em ligar pra Loren, mas, quando se lembrou que ela havia armado o encontro com Saleh, contra a sua vontade, novamente o rancor entrou em seu coração e ela decidiu não ligar.

Em Londres a sensação de Loren era também muito parecida. Ela sentia saudades de Aisha e muita preocupação com as decisões que ela estava tomando. Mas, preferiu não contactá-la mais depois daquela briga. Com muitas saudades, ela no dia 10 de julho de 2015, dois dias antes da viagem, entrou no perfil da rede social de Aisha e começou a ver as suas fotos. Ela chorou enquanto as observava, relembrando dos bons momentos que viveram juntas.

Por um momento, ela vê o perfil de Caivan, o pivô de todo aquele conflito. Entra nele e começa a observar as suas fotos. Tudo que Loren pensa é: Você trate de cuidar bem da minha irmã, pois ela tem um coração puro e muito bom! Se não fizer isso, eu vou atrás de você e te mostro do que sou capaz. Afirmou ela falando baixinho, sorrindo para si mesma, tentando se convencer de que aquele belo rosto era de uma pessoa boa e que a irmã ficaria bem na companhia dele. Antes de sair daquele perfil, ela o adicionou como amigo, ficando na expectativa de poder conversar com ele em um futuro próximo.

Chegou então a sexta-feira, último dia de trabalho de Aisha, antes de suas férias e aquele dia ela acordou com uma sensação estranha. Parecia que o medo do passado estava novamente a assustando. Depois de muito tempo, ela sentiu uma sensação de pânico muito grande em seu apartamento, muito parecido com os que sentia enquanto se imaginava estar sobre a ameaça de Osnin.

Sair do prédio para ir ao trabalho naquele dia foi uma luta muito grande. Ela teve que pedir para que o porteiro a acompanhasse até a rua para pegar o táxi, tamanho o seu pavor. Chegando no trabalho, ela teve que encerrar muitas atividades antes de tirar férias e entrou na rotina normal, se esquecendo um pouco daqueles medos.

Mas, ao chegar em casa, o medo retornou. Ela se lembrou das falas de Saleh, de Loren e de seu pai, quanto aos riscos que poderia correr se retornasse ao seu país e, pela primeira vez, pensou em desistir daquela viagem.

Ela entrou então no MSN e Caivan estava on-line. Logo ele disse:

(Caivan) – Não vejo a hora de te ter aqui meu amor! Você não sabe o quanto eu esperei para que esse momento chegasse.

(Aisha) – Confesso que hoje acordei um pouco receosa Caivan. As pessoas têm me dito que as coisas estão um pouco perigosas aí? Tem certeza que aí está mesmo seguro?

(Caivan) – Aisha. Vou te fazer uma pergunta. Você acredita que te amo de verdade?

(Aisha) – Claro que sim meu amor.

(Caivan) – Se eu te amo, eu não vou querer te colocar em risco. Concorda?

(Aisha) – Sim. Quem ama protege.

(Caivan) – Então Aisha. É claro que eu jamais te colocaria em risco. Se aqui estivesse mesmo ruim, eu seria o primeiro a lhe dizer para não vir. Mas, sei que está seguro. Confia em mim?

(Aisha) – Confio. Eu te amo Caivan. Me desculpe por estar te dizendo essas coisas. É porque hoje me veio uma insegurança enorme. Não sei de onde veio isso.

(Caivan) – Não se preocupe meu amor. Você estará protegida pela empresa de segurança que contratou e quando chegar aqui em Cabul estará protegida por mim. Todos os dias que estiver aqui eu estarei com você. Não precisa se preocupar.

(Aisha) – Você tem razão. Esses pensamentos, são bobagens da minha cabeça.

Afirma Aisha, quando Caivan muda de assunto e eles começam a conversar sobre as expectativas de se encontrarem novamente. Aquela noite passa rapidamente e Aisha se despede dele um pouco mais cedo, pois, precisava ir para Londres na manhã do dia seguinte para pegar o avião rumo a Turquia, na tarde daquele sábado.